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O que eu andei vendo em fevereiro

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Fevereiro, assim como janeiro, foi um mês bem produtivo cinematograficamente falando. Além dos filmes desse post, assisti à maioria dos indicados ao Oscar nesse mês, o que quer dizer que teve um filme a cada dois dias. Duvido que esse ritmo se mantenha ao longo do ano, mas vamos tentar. Sem mais delongas, eis o que eu andei vendo em fevereiro (spoiler: teve bastante coisa boa!).

Divergente (Neil Burger, 2014): Li Divergente e Insurgente há alguns anos e, na época, achei o primeiro livro bem bacana, bem interessante, bem daquelas histórias que te prendem, e o segundo achei bem chato - tanto que nunca terminei a série. A verdade bem sincera é que Divergente é mais uma dessas distopias genéricas que começaram a surgir graças ao sucesso de Jogos Vorazes. Não tem muita coisa a oferecer, é uma história bem genérica de pós-apocalípitoco-governantes-mal-intencionados-ação-romance-coming-of-age, mas eu precisava de um passatempo e o filme cumpriu muito bem esse papel. A Shailene Woodley fala besteira, mas é uma atriz bem competente, e fico feliz que essas sagas protagonizadas por heroínas estejam sendo levadas ao cinema e arrecadando milhões.

Regras da Vida (Lasse Halström, 1999): Nunca tinha ouvido falar desse filme, que foi uma grata surpresa do Netflix. Tobey Maguire, ainda jovenzinho, interpreta um órfão que cresce para se tornar médico (de experiência, não de formação) junto com o responsável pelo orfanato, interpretado pelo ótimo Michael Caine, mas que discorda de alguns posicionamentos do seu mentor, e que decide que precisa ver o mundo e vai para uma fazenda colher maçãs. Regras da vida, que é dos anos noventa, faz uma discussão bem honesta sobre a questão do aborto e sobre as regras arbitrárias que os seres humanos impõem sobre outros seres humanos. Não acho que o texto do filme tente ditar o que é certo e errado, mas retrata situações que permitem que você tire suas próprias conclusões. Sinceramente, não esperava tanto.

I Capture the Castle (Tim Fywell, 2003): Mais um daqueles filmes britânicos de época que são uma delícia. É um coming of age que se passa em um castelo (! - um castelo decadente, mas ainda assim) na década de 30, protagonizado por uma aspirante a escritora que vive em uma família excêntrica que precisa muito de dinheiro para sair de condições cada vez mais complicadas. Com a chegada de dois americanos ao castelo, a protagonista passa por uma série de experiências importantes para sua formação como pessoa e como escritora. Típico coming of age, só que sem juras de amor eterno, e com a confusão e as desilusões bem realistas. Ótimo filme para aquelas tardes de domingo chuvosas. Ah, a trilha sonora é do Dario Marianelli.

What If (Michael Dowse, 2013): Queria muito ter amado esse filme porque é protagonizado pelo Daniel Radcliffe e eu simpatizo muito mesmo com ele - e nem é só por causa de Harry Potter. Mas a verdade é que não amei. Nem odiei. Só... Fiquei indiferente, que é o que sempre acontece comigo quando eu assisto a uma dessas comédias românticas alternativas sobre jovens confusos e cheios de dúvidas. É bonitinho, tem alguns diálogos bacanas, os protagonistas são personagens bem realistas, mas é isso. Tive muita preguiça de todos os coadjuvantes. Dormi no meio e tive que ver o resto no outro dia. (DanRad, te amo, mas faça filmes melhores).

Hotel Ruanda (Terry George, 2004): Bem excelente esse retrato de um conflito extremamente violento e mortal entre dois grupos étnicos diferentes num país africano. Don Cheadle brilha no papel do gerente de hotel que abriga milhares de refugiados em seu local de trabalho e precisa cuidar de toda essa gente enquanto negocia para mantê-los todos vivos. O filme começa com dezenas de potenciais salvadores brancos que se encontram em Ruanda, mas eles vão deixando o país aos pouquinhos - uma das falas mais impactante do filme vem do jornalista interpretado pelo Joaquin Phoenix, quando diz que tentaria mostrar as imagens daquilo que estava acontecendo em Ruanda para o mundo: as pessoas vão exclamar "nossa, que coisa horrível" e em seguida continuarão seu jantar. Me atingiu completamente porque não poderia ser mais verdadeiro. Grande história, tão forte quanto triste. Impossível não assistir sem sentir um peso enorme por tudo aquilo que acontece no mundo e que fingimos não ver.

Entre Irmãos (Jim Sheridan, 2009): Apesar do título brasileiro sugerir uma coisa meio triângulo-amoroso-estilo-Vampire-Diaries, o filme nunca chega perto de ser um triângulo amoroso, ainda que se trate, sim, de uma mulher que se envolve com o irmão do seu marido, dado como morto na guerra no Afeganistão. Não entendi muito bem qual exatamente era a história que o filme queria contar quando ele terminou, mas vale a pena pelo retrato bem frio de um militar que volta da guerra extremamente transtornado, coisa que faz todo sentido. Não é de se espantar que guerras sejam experiências tão traumáticas, e não sei se é possível voltar inteiro delas, mesmo sem ferimentos físicos. Nenhum personagem é preto-no-branco e é possível compreender as ações de todos eles. Esse filme é um remake de uma produção dinamarquesa, e eu já tenho certeza de que ela é melhor.

A Rosa Púrpura do Cairo (Woody Allen, 1985): Que filme divertido e excelente. Um personagem fictício reparar em você assistindo à história dele no cinema pela quinta vez e decidir sair da tela para conhecer você e viver coisas novas é o sonho de qualquer fangirl. É bastante divertido perceber o quanto essa atitude geraria problemas, desconcertando o restante dos personagens do filme, que não sabem como prosseguir, os responsáveis pela projeção, os produtores, os atores envolvidos, e por aí vai. Enfim, impossível não se divertir ao longo dos oitenta minutos passados ao lado de uma personagem cinéfila e de seu personagem querido. Gosto da ideia de cada projeção do mesmo filme ter vida própria e independente e gosto muito da conclusão dada à história, que, sinceramente, não poderia ser outra.

O Último Rei da Escócia (Kevin Macdonald, 2006): Excelente trabalho do Forest Whitaker, e eu sou sempre bem parcial para falar da entrega do James McAvoy (mas, amigas, ele sempre entrega, o que eu vou fazer?), mas com toda a honestidade e sinceridade, o filme não me prendeu nem me pegou. É uma história boa e horrível sobre um ditador implacável e ao mesmo tempo tão carismático que começa seu governo celebrado por um povo que anseia por mudanças e por um país melhor, e conquista com poucas tentativas a total simpatia do médico escocês recém-formado que vai para Uganda porque quer ajudar... e porque a vida em casa está uma bosta. Só não achei que funcionou muito bem dramaticamente. Não fossem pelas atuações, não se sustentava.

Star Wars, episódios IV, V e VI (1977, 1980 e 1983): Durante muito tempo, relutei o quanto pude em assistir a isso aqui. Sempre me pareceu extremamente besta e bobo. Mas, olha só, é bem divertido. É uma história bem legal. Claro, é meio trash. Chewbacca urrando o filme todo, as festas do Jabba the Hutt??? Enfim, tem que abrir o coração. O primeiro dos filmes é o melhor entre os três, na minha opinião, e eu achei que peca um pouco por ser tudo muito objetivo. Comentei que parece que as grandes revelações do enredo ("Luke, eu sou sei pai", "Luke, você tem uma irmã" - que infeliz, eu estava shippando) não têm muita emoção ou profundidade, sabe? Mas juro que me diverti e assisti um atrás do outro. E, migas, Luke Skywalker, what a babe.


Dream Team das guerras intergaláticas num momento de descontração.

E vocês, o que andaram vendo? Tem títulos pra me recomendar? Me conta, eu vou adorar saber.

Abril, aniversário e aproveitar o momento

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Abril é sempre um mês estranho. É estranho porque tudo já voltou ao normal, porque a chegada dele marca o fim do primeiro trimestre - em que o ano ainda passa aquela impressão de ser novo. Abril é estranho porque nele está contido o dia em que eu nasci, e eu passo a maior parte dos meus dias pré-aniversário numa angústia existencial que só acaba quando o relógio marca zero horas e zero minutos do dia 13.

Depois que eu completei dezoito anos, mas especialmente depois que eu completei vinte e entrei na terceira década de existência, eu comecei a associar o meu desagrado com o meu aniversário com a ideia de que eu não estou fazendo nada de útil com a minha vida, de que eu não estou correspondendo às expectativas que muita gente largou sobre mim conforme eu ia crescendo, que eu não estou fazendo jus ao potencial que um dia enxergaram em mim. É o mesmo tipo de sentimento despertado pela comemoração do ano novo. Porque são duas datas que completam ciclos. Não importa que isso seja relativo - por exemplo, por que eu não me pergunto o que eu estava fazendo no dia 6 de abril de 2014, 365 dias atrás? -, porque outras datas não têm o mesmo peso e significado cultural que o réveillon ou o nosso aniversário possuem. São duas datas propícias para essas reflexões, porque numa delas a música te pergunta "and what have you done?" e porque na outra, olha só, você está um ano mais velho e é nesse momento que você precisa lidar com o fato.

Essas ansiedades me consomem um pouquinho ao longo do mês de abril de um jeito que não acontece no resto do ano. Mas essas ansiedades, por mais verdadeiras que sejam, chegaram há pouco tempo. A minha relação estranha com o meu aniversário, não. Não me lembro qual foi a última vez em que eu comemorei essa data por outro motivo que não fossem os meus pais ou as táticas de convencimento das minhas amigas. Ou só para não deixar passar em branco. Como é estranha essa Fernanda, não? - pois é. E eu juro que, se conseguisse, não seria assim, pelo menos não nesse aspecto.

Sei que não tem nada de muito especial em receber o aniversário assim, desse modo agridoce. Se a norma é, aparentemente, estar radiante por causa dele, tem dezenas de pessoas por aí que sofrem de birthday blues - mas isso, na verdade, também não é algo com que eu me identifico totalmente. Eu não me sinto pra baixo ou triste no meu aniversário ou nos dias que o antecedem. É só uma sensação esquisita. Uma sensação de que eu-não-estou-sentindo-o-que-devia-estar-sentindo. Se é que isso faz sentido.


Words of wisdom, por Roger Sterling | Crédito: x

Eu não me lembro quando foi que o Roger Sterling, um personagem de Mad Men com quem imagino que ninguém faça muita questão de se identificar, disse essas palavras espertas: "Ano Novo. É como um aniversário extra. É para você assoprar a vela e desejar alguma coisa. Eu nem sei o que é". A verdade é que é isso, ainda que eu esteja admitindo aqui que a citação está sendo considerada completamente fora do contexto, que eu não lembro qual é. Mas a verdade é que eu também não acho que saiba o que essa coisaé, e que a véspera de ano novo é mesmo um segundo aniversário, e são duas datas com as quais eu não sei lidar muito bem porque eu não entendo. O Natal é para comer e estar com a família e até mesmo ouvir as piadas do pavê e as perguntas sobre os namorados, no plural. Mas e nessas outras datas, que são mais sobre você do que sobre comunhão ou sobre as pessoas que você ama?

Dia desses eu me peguei pensando na última cena de Boyhood, quando o Mason encontra uma nova namorada/BFF em potencial, que também gosta de um papo cabeça existencialista, e eles trocam sorrisos meio tímidos e fica implícito que estamos vendo alguma coisa acontecer. A garota é responsável pela fala que parece ter ficado mais famosa em todo filme, sobre como na verdade não somos nós que aproveitamos o momento, mas o momento que nos aproveita. Eu não tenho muita certeza do que foi que o Richard Linklater quis dizer com essa fala, especialmente porque o que segue não fez muito sentido. Mas, na minha interpretação, parece que o filme é exatamente sobre isso. Fico com a impressão de que o motivo por que tanta gente afirmou que nada acontece nele é que nada de extraordinário acontece, até porque o filme não mostra nenhum daqueles milestones da vida. Para mim, ele pareceu falar justamente daqueles momentos que de fato "nos aproveitam", ao invés daqueles que você sabe que deveriam ser importantes e que tenta com tanta força aproveitar.

Talvez esse seja o meu problema com o meu aniversário. Que não é de hoje. Essa obrigação de ~aproveitar o momento~ (yolo!1), de o dia ter que ser especial, de eu precisar assoprar as velhinhas e sentir alguma coisa que eu não sei o que é, é o avesso de um momento importante. É verdade que o dia costuma ser bom, que eu uso a desculpa de que é meu aniversário para ser pouco produtiva e não precisar lavar a louça, que os recadinhos e telefonemas de pessoas queridas me deixam feliz e que é bom ganhar uma sobremesa bem gordurosa de graça e estar com gente legal - amigos ou família, ou os dois. Mas os dias que antecedem... Ah, os dias que antecedem. Tão desnecessários, tão espero-estar-bem-ocupada-para-não-pensar-muito.

Mas, Fernanda, é importante porque é para comemorar o fato de você estar viva! - sim, hipotético leitor, é verdade. E acredite em mim quando eu digo que sou muito grata por estar aqui, com saúde e com tudo o que eu preciso para ir atrás das coisas que eu quero. Ainda mais num ano que começou me lembrando que, não, nenhum de nós está cem por cento seguro aqui, e que nossos momentos por aqui são todos transitórios. Mas essa celebração do fato de se estar vivo sempre vai acontecer de um jeito mais espontâneo e, o que é mais importante, verdadeiro, naqueles momentos que nos dominam por completo, não importa o quão absolutamente comuns eles possam ser. Eu prefiro que o momento me aproveite. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que ele não vai conseguir se for recebido por uma cara amarrada. É por isso que esse ano, depois de abrir o coração nessa plataforma muito pública, ainda que pouco relevante, eu vou fazer aquilo que eu sempre faço: tentar receber o dia 12 de bom grado.


*Arcade Fire começa a tocar subitamente*

O que eu andei vendo em março

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Depois do post passado, estamos de volta à programação normal (pra um blog pessoal, esse aqui consegue ser bem impessoal, né?). Espero que vocês gostem desses comentários sobre filmes, porque são os mais fáceis de começar e terminar (inclusive estou pensando em expandir para "o que andei lendo" - vamos analisar).

Disse no post sobre os filmes de fevereiro que queria tentar manter o ritmo, mas que duvidava que isso fosse acontecer. E eu obviamente estava certa (geralmente diminui até eu não ver nada). Março começou e terminou com dois filmes bem ruins, mas, em compensação, tiveram alguns ótimos e eu queria muito falar deles. Vamos à lista, então?

Versos de um Crime (John Krokidas, 2013): Seguimos na batalha que é acompanhar a carreira do Dan Radcliffe. Em relação a What If, esse aqui é bem mais interessante, ou pelo menos o personagem dele é. Mas eu deveria estar vendo um filme sobre os escritores da geração beat e sua new vision (zzzz) e seus comentários sobre sonetos e suas pranks na biblioteca? Provavelmente não. Mesmo assim, é uma história boa, especialmente a do Lucien Carr. Pena que a montagem de algumas cenas importantes - tipo a do assassinato - foi tão brega. Enfim, né, gente. Vocês gostam de Jack Kerouac e de Allen Ginsberg? Preguiça. (Beijo pro Dan, que atuou bem bonitinho aqui) (Fernanda, a vergonha entre os estudantes de literatura) (prefiro coisa velha, desculpa).

Palácio das Ilusões (Patricia Rozema, 1999): Mansfield Park parece ser o romance mais universalmente detestado da Jane Austen, mas eu confesso que gosto bastante. Essa adaptação, como geralmente acontece com filmes de época, é bonita e é agradável. Fiquei com a impressão de que transformaram a Fanny Price numa protagonista menos inerte e molenga, e não posso reclamar disso. Mas o filme é meio arrastado, e pareceu durar bem mais do que duas horas. E, claro, essa adaptação é meio infame porque duas pessoas são pegas transando, e um caderno com desenhos obscenos é mostrado. O que, convenhamos, é meio estranho em uma adaptação de Jane Austen.

Minhas Tardes com Margueritte (Jean Becker, 2010): É tão bom sair do esquema dos filmes americanos de vez em quando. É como um sopro de ar fresco. Que filme mais bonitinho e agradável e amor. Terminei com o coração aquecido, dei uma choradinha básica e adorei. Bonita homenagem às amizades não convencionais, às pessoas que conseguem enxergar nos outros muito mais do que eles enxergam em si mesmos, e, é claro, às palavras e aos livros. Vejam.


A Duquesa (Saul Dibb, 2008): Vocês sabem que eu adoro filmes de época, obviamente, e eu adoro que a Keira Knightley está sempre nos filmes de época, porque ela é ótima. Assim como a personagem dela nesse filme, que fez tudo que uma mulher decente da época não deveria fazer, dando um belo tapa na cara da sociedade e do marido horrendo dela. Mas ainda que a personagem seja excelente e que o filme seja corretinho e tudo mais (e bonito!) e que o Ralph Fiennes seja excelente, nada me empolgou muito e, não sei, queria algo a mais?

O Abutre (Dan Gilroy, 2014): Eu estava querendo muito assistir a esse filme, e agora estou arrependida por não ter ido ver no cinema, porque que filme! Cadê a indicação ao Oscar, especialmente do Jake Gyllenhaal, que está maravilhoso? (Só mais um dia na vida, com a Academia perdendo um pouquinho mais do meu respeito). Eu amo histórias que colocam o jornalismo em foco, e essa aqui é ainda melhor por mostrar bem cruamente os caminhos do jornalismo sensacionalista, que é bem nojento. Toda a tensão no filme é ótima, muito bem construída, tem cenas poderosíssimas e um protagonista bem marcante com toda a sua falta de limites e humanidade. Vejam, sério.

Chef (Jon Favreau, 2014): Descoberta do Netflix pela qual eu me apaixonei. É um filme bem simples e nada inovador, mas ele acerta tanto no que se propõe a fazer que não tem como não adorar. Acerta na construção das desilusões e frustrações do protagonista, acerta na construção da relação de pai e filho, acerta na integração das redes sociais ao enredo, e acerta na comida, óbvio. Acho meio impossível terminar esse filme sem querer: 1) um daqueles sanduíches, por favor; 2) viajar os Estados Unidos num trailer (numa ~food truck); 3) querer ir atrás da trilha sonora. Excelente filme de domingo.

Insurgente (Robert Schwentke, 2015): Gastei dez reais pra ver um filme que estava sendo detonado e que adapta um livro do qual eu não gostei? Gastei, sim, e nem consegui me arrepender. Março teve alguns dias complicados, e esse filme foi uma das coisas que me distraíram completamente quando eu estava precisando. Ah, vai, gente, a história é bacaninha, apesar do final meio... Er, meio nada a ver. As cenas de ação são boas. A Shailene Woodley é bem talentosa. O elenco de apoio tem um pessoal bem competente (nós vamos falar sobre como Miles Teller é bom? Eu nem lembrava que o personagem dele existia, e ele acabou parecendo um ótimo personagem). Teve efeitos bonitos. E achei curioso que, apesar de eu ter lido o livro, não lembrava de nada mesmo - então foi tudo uma surpresa. É sempre mais bacana assistir sem saber o que vem depois.

Namoro ou Liberdade (Tom Gormican, 2014): Primeiro que se passa no outono nova-iorquino, que é bem bonito. Segundo que eu olho pro Michael B. Jordan e só consigo lembrar de:

 

Saudades Vince You changed my life, coach Howard, saudades Friday Night Lights. Ok, acabou o merchan de FNL (desculpa, risos), vamos falar sobre o filme, né? Bem ruim. Assim, bem ruim mesmo. Pior do que isso é que eu ri de várias das piadas bestas, naquele humor bem hollywoodiano e sem esforço nenhum. A notícia boa é que o Zac Efron é bem bonito, e os três atores principais têm carisma suficiente pra sustentar seus personagens meia-boca. Esse filme é um grande rom-com meets bro-movie, e eu sinceramente preferiria só a parte da rom-com.

A conclusão do mês é que preciso ver filmes melhores. Aposto que vocês concordam.

Pra não dizer que não falei da Taylor Swift

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Em 2014, assisti muita gente se converter ao fã-clube da nossa querida quebradora de recordes e voz dos nossos corações despedaçados, Taylor Swift. Foi o ano em que ela cantou que haters gonna hate de qualquer jeito e, curiosamente, depois disso houve uma grande conversão em massa de haters, o que deixou feliz essa pessoa que vem há anos defendendo a moça como se ela precisasse mesmo disso.

Também foi o ano em que a Analu resolveu postar seu top 20 25 de canções da nossa querida Taytay, e, porque eu achei o post dela divertidíssimo, vim aqui descaradamente roubar a ideia, já que também acho super necessário falar um pouquinho sobre o assunto. Quatro meses depois, mas tudo bem. Porque Taylor recentemente contou o que tem acontecido na vida dela, e embora eu quisesse muito não entender pelo que ela está passando, eu entendi. Parece besta, mas ouvir o 1989 me ajudou bastante, porque ela tem uma pegada tão boa que é impossível ouvir e continuar triste. Fica aqui minha singela homenagem.


Vamos por ordem de lançamento:

1) Our Song: A primeira que escutei. É uma das melhores representantes da fase country, da época de menos romances devastadores e mais de histórias bonitinhas e banjos, é a Taylor contando uma história (melhor tipo de letra escrita por ela) e é a Taylor esperta quando diz, nos últimos versos, que pegou uma caneta e um guardanapo velho e escreveu a música deles (essa mesma que você está ouvindo, ha).

2) Fifteen: Uma daquelas letras que parecem tão fáceis de relacionar com nós mesmas, apesar de ela claramente estar cantando para o próprio eu de 15 anos. Gosto desse violãozinho, gosto de versos que soam muito bem tipo and your mom is waiting up/ and you're thinking he's the one/ and you're dancing 'round the room when the night ends, mas gosto especialmente quando ela muda para a primeira pessoa e diz que back then I swore I was gonna marry him someday, but I realized some bigger dreams of mine porque, afinal, nas sua vida você vai fazer coisas maiores do que namorar o cara do time de futebol, e a Taylor já sabia disso.


3) You Belong With Me: Também era bem comum nas letras da Taylor ver ela se colocando como a outsider, aquela que fica nas arquibancadas, e talvez por isso essa sempre foi uma das músicas dela com a qual é mais fácil de se identificar. Essa também é uma das músicas que fizeram muita gente detestar nossa ex-country favorita por causa da oposição que ela faz entre uma ~nice girl e a namorada cheerleader de saias curtas e saltos altos que não entende o garoto. E as críticas não deixam de ter uma certa razão, mas está tudo perdoado por causa do desespero no why can't you seeee-eee/ you belong with meeeee-ee.

4) Sparks Fly: Pessoalmente, acho que essa música abriria muito melhor o Speak Now (tanto que era ela que abria os shows dessa tour), mas o que eu sei dessas coisas? Nada. Enfim. Impossível ouvir e não ficar cantarolando o poderoso drop everything now, e adoro muito todas as metáforas para descrever essa atração física poderosíssima.

5) Speak Now: Taylor storyteller novamente, e tão bem que dá pra visualizar o clipe prontinho, apesar de ele não existir (mas era praticamente isso que acontecia quando ela cantava essa música nos shows, para minha alegria). Tem umas descrições bem bacanas tipo the organ starts to play a song/ that sounds like a death march, e esses sheEeEeeeE floats down the aisle e but IIiIii knoOoOw maravilhosos.


6) Dear John: Eu não gostava muito desse chororô de quase sete minutos, numa das raras ocasiões em que tem até o nome do sujeito pra não deixar dúvidas. Mas foi depois que eu parei pra prestar atenção nessa guitarra ao fundo que podia estar em uma música do álbum mais relevante do John Mayer até hoje, o Continuum, que eu ganhei um apreço enorme por essa grande novela mexicana em forma de canção. Taylor é muito, muito esperta. (Momento #revelação: eu adoro o John Mayer, ok, gente? Perdão).

7) Enchanted: Tenho comigo que essa é uma das melhores letras que a Taylor já escreveu, e não acho que vá perder esse título tão cedo. Enchanted descreve perfeitamente a sensação não de amor a primeira vista porque isso não é coisa que haja (por favor), mas desse encantamento que às vezes nos acontece, que nos deixa dancing around all alone e pedindo pra ter vivido só a primeira página, e não o fim da história, e repetindo os versos suplicantes: please don't be in love with someone else.

8) Long Live: Melhor jeito de terminar um álbum. Essa letra é tão exageradamente incrível, uma homenagem bem bonita à própria história, ao próprio sucesso, e às pessoas que fizeram (e fazem!) parte dessa caminhada junto com ela. Traz imagens lindas, tipo you held your head like a hero/ on a history book page e cause for a moment a band of thieves / in ripped up jeans got to rule the world e acho lindo, lindo, lindo quando Taylor pede que o interlocutor fale dela para os filhos quando, um dia, eles perguntarem.


9) State of Grace: Vou confessar para vocês que apesar de eu adorar a vibe pop do 1989 (o pop do Red não é dos meus favoritos, apesar do álbum em si ser o que eu mais gosto no conjunto), queria que Taylor fizesse um álbum na vibe-state-of-grace. Com a bateria, e a guitarra e essa vontade de berrar junto com ela que I'll neeeeveeeer be the saaaaa-aaa-me. Sério, tem uma vertente maravilhosa da música para ela seguir aqui.

10) All Too Well: Seria essa A melhor letra da Taylor? Essa é uma das histórias sobre a própria vida que ela conta da maneira mais honesta, quase como se realmente estivesse escrevendo no diário. É maravilhoso como começa devagar, e vai introduzindo os vários instrumentos (e a fase de encantamento do relacionamento, cantando no carro e dançando sob a luz da geladeira) e vai ganhando dramaticidade até chegar nos versos mais incríveis: and you call me up again/ just to break me like a promise/ so casually cruel/ in the name of being honest. É tão completamente cheia de sentimentos tão bem descritos. Taylor escrevendo no diário é a melhor Taylor.

11) 22: O hino da nossa geração, ou pelo menos da gente que escreve da nossa geração. Nada faz tanto sentido quanto we're happy free confused and lonely at the same time (ou in the best way), o que é miserable and magical. Vinte e dois parece uma idade tão aleatória para virar tema de uma canção, mas agora já é ícone, né? (E a Taylor outsider ataca novamente quando ela fala que aquele lugar está cheio demais com too many cool kids e a própria diz no fundo: 'who's Taylor Swift anyway?')

12) Holy Ground: Acho um absurdo que essa música não seja universalmente adorada. O ritmo é uma delícia e a letra também é. Para variar, adoro muito as imagens, do first-glance feeling in New York time e spinning like a girl in a brand new dress e the story's got dust on every page e, claro, o maravilhoso tonight I'm gonna dance/ for all that we've been through.

13) Blank Space: Essa música onipresente e onipotente é a coisa mais maravilhosa do mundo. Taylor comentou que quis escrever da perspectiva dessa pessoa que a mídia insiste em dizer que ela é, e saiu uma coisa tão fantástica que o tumblr começou a encontrar parallels que fazem todo o sentido com a Amy, de Gone Girl. Tudo certo aqui, tudo.


14) Style: Style foi a primeira que eu amei com todas as forças no 1989. Eu sempre falo das letras, porque no fim das contas eu sou uma pessoa das palavras, mas acho que nesse caso o que eu amo mesmo é a batida. Mas obviamente adoro essa referência descarada no título e o fato de ela usar moda&estilo e o we never go out of style para falar de um relacionamento que vai e volta.

15) Shake It Off: Eu não acredito até hoje que, quando ouvi pela primeira vez, só consegui pensar que não era isso que eu queria. Hoje é quase impossível ouvir Shake it off e ficar parada, e não querer cantar junto, e não abrir um sorriso. É um divertidíssimo tapa na cara dos haters e da mídia que fica controlando a vida dela, é animada, tem instrumentos de sopro maravilhosos no fundo e ainda nos presenteou com a maravilhosa resposta de que haters gonna hate hate hate hate hate e já estou esperando pra poder cantar/berrar isso ao vivo (se essa tour também não vier pro Brasil eu desisto).

16) New Romantics: Eu precisei incluir a décima sexta música no meu top 15 porque como deixar New Romantics de fora? Como explicar Taylor deixando esse trabalho com toda a cara do sucesso apenas como faixa bônus? Gruda demais na cabeça, tem versos maravilhosos (baby I could build a castle/ out of all the bricks they threw at me e we are too busy dancing/ to get knocked off our feet e everyday is like a battle/ but every night with us is like a dream e... vocês entenderam) e é uma coisa maravilhosa para dançar e ficar feliz.

Chegamos ao fim, com muita dor por deixar de fora coisas maravilhosas tipo Treacherous, Hey Stephen, The Story of Us e Wildest Dreams, mas a vida é feita de escolhas. Parabéns a todo mundo que chegou até aqui. Taylor aprova:


So long, farewell

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Dia desses me peguei me perguntando se eu ainda sou uma pessoa que escreve.

Vamos refletir sobre o assunto:

1) Porque estou cursando Literatura Russa esse semestre, decidi que queria muito, muito mesmo, ler Anna Karenina e fazer um trabalho comparando a obra com aquela adaptação do Joe Wright, que é um dos meus diretores favoritos no mundo. E foi isso que eu fiz. Mas com muito custo. Digo, escrevi em uma noite. Mas não precisava ser num estilo acadêmico, e o que eu mais queria era escrever como se estivesse postando no blog, porque eu estou tão, tão cansada da ~Academia~. O que saiu no final? Um ensaio. Cem por cento acadêmico.

2) Dois meses atrás, em março, eu terminei de ler Querido Scott, Querida Zelda, um livro que reúne a correspondência trocada entre Scott e Zelda Fitzgerald. Ler a correspondência lembra da humanidade deles, quando é muito comum simplesmente classificar os dois assim: o gênio e a mulher que abafou seu talento; ou: uma mulher oprimida por um marido autoritário. Senti muita vontade de falar sobre como a mitificação de pessoas, pessoas tão humanas como nós, acaba sendo completamente desumanizante. Foi nessa época que o trailer de Paper Towns foi lançado, o que lembra da excelente lição deixada por esse livro não tão excelente: que coisa mais traiçoeira é acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa. Eu queria falar sobre acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa, e em como isso acaba fazendo com que a pessoa acabe sendo menos do que uma pessoa, porque isso exclui toda a sua complexidade. Mas esse post não saiu.

3) Mais alguém (foi a Ruth Rocha) disse que Harry Potter não é literatura. Eu acabei caindo num post sobre as pessoas que se acham muito inteligentes por lerem certos livros e que, assim, não se arriscam nas suas leituras, não procuram descobrir o que há além dali. Eu li a opinião do Harold Bloom sobre Harry Potter. Eu queria falar sobre como eu também acho, hoje, que é importante ler livros que parecem maiores do que nós, e não ter medo deles, mas que ninguém é obrigado a nada. E queria questionar essa obsessão por definir o que é e não é literatura, a noção de que é algo elevado "desligar a tv e ir ler um livro" e o problema nesse tipo de hierarquização dos meios, queria questionar por que aparentemente todos nós precisamos ser o Harold Bloom, um especialista em literatura (imagina se todos nós precisássemos ser um especialista em cirurgia cardíaca ou em engenharia ou em física quântica?). Mas esse post não saiu do mundo das ideias.

4) Esse mês, aquela que tinha se tornado a minha série favorita em exibição atualmente, Mad Men, chegou ao fim - e o final foi tão, tão bom, que me deixou com vontade de voltar ao começo para ver tudo de novo. Queria escrever não sobre o final, que já foi analisado por todo mundo, mas sobre todos os aspectos incríveis da série - em parte porque queria convencer todos vocês a assistirem (tem quase inteirinha no Netflix, corre). A introdução do post está nos rascunhos, depois de eu passar um bom tempo escolhendo um título que fosse bonito e poético e que fizesse referência a uma de suas cenas mais famosas (e incríveis - vão lá ver). Mas o post, é claro, não saiu.

5) O último post que eu comecei e terminei foi aquele postado no dia 20 de abril.

O que me levou a me perguntar, de novo, se eu ainda sou uma pessoa que escreve - se não tiver um prazo envolvido.

Eu sempre gostei de refletir sobre as obras que atravessam o meu caminho e relacionar uma com a outra, e relacioná-las comigo mesma também porque, afinal, todas as histórias são sobre nós. A página em branco - ou melhor a tela em branco, porque estamos em 2015 - nunca foi uma coisa que me assustou, mas que pedia para ser preenchida. Até na escrita acadêmica, que por vezes tanto me atormenta. É toda uma alegria abrir minha pasta do semestre 2012/1 e ler o ensaio que escrevi aos dezoito anos sobre Dom Casmurro e me perguntar: de onde saiu?

Ultimamente, no entanto, a tela em branco do Blogger não tem parecido tão convidativa. Ela não é mais preenchida de jeito nenhum (talvez com um truque esperto de falar sobre a Taylor Swift - e eu adorei aquele post!, mas agora já gastei a pauta, né?).

Abandonar meu blog sem explicação é uma coisa que me incomoda, vide os posts que eu já fiz sobre o assunto. Não gosto de começar e não terminar, não gosto desse estado de suspensão que não me deixa em paz.

Pensei em apagá-lo, mas isso seria drástico demais. Pensei e em fechar, mas quantos blogs diferentes eu já comecei desde 2005? (Resposta: perdi as contas). Por fim, pensei em vir até aqui e dizer: é isso que está acontecendo. Não sei se eu ainda sei escrever. Ou melhor, não sei se eu ainda preciso escrever. Talvez mês que vem eu descubra que preciso, sim, e o Erro de Continuidade vai estar aqui.

Por enquanto, estamos oficialmente on a break.

PS: vocês ainda podem ler minhas resenhas na Pólen. Podem ler minhas reclamações e coberturas de grandes eventos (de premiações do cinema a jogos de futebol a debates) no twitter. Podem ver meus photosets e gifsets bonitos (a maioria é sobre Mad Men nos últimos tempos, perdão) - quase sempre com um ensaio digitado nas tags, risos - no tumblr.

"O mundo era tão grande!"

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Lembrei-me de que era segunda-feira. E estava na hora do rush– por isso a estação estava tão cheia. À minha volta, na plataforma, as pessoas passavam ou se detinham em um lugar para esperar [...] Toda essa gente. Eram tantos! [...] O que tinham feito durante as últimas quatro horas? Suas vidas não tinham absolutamente nada a ver com a Ault. É verdade que eu estava de ressaca pela primeira vez, e ainda era ingênua o bastante para saber o que era uma ressaca. Mas essas pessoas começavam seu dia, todos os seus encontros, incumbências e obrigações. E isso somente ali, nessa estação, nesse momento. O mundo era tão grande! A intensidade dessa percepção desapareceu assim que embarquei no trem, mas retornou ao longo dos anos, e mesmo hoje, às vezes [...] posso sentir de novo como fiquei abismada nessa manhã. (Preliminar: os altos e baixos de Lee Fiora– Curtis Sittenfield; tradução: Ana Luiza Dantes Borges)
Preliminar foi para mim um daqueles livros que a gente lê cedo demais e depois fica para sempre se perguntando se foi por isso que não gostou. Li aos quinze porque ele foi publicado pelo selo jovem da Record (lembro da vendedora da livraria comentando que ele não era vendido na seção jovem da loja), mas eu não o considero um young adult e não indicaria para alguém com pretensões de ler um YA. Até porque, embora a idade da protagonista seja certa pro gênero, e também a ambientação (um internato), o livro é claramente narrado por ela anos depois de tudo aquilo ali. O livro foi lento, não tem exatamente um enredo, a protagonista sofre muito de ansiedade e se autosabota o tempo inteiro, tem algumas situações bem pesadas no meio. Eu tinha entrado há pouco no ensino médio quando li, mas, mesmo depois, minha passagem por ele foi bem mais leve, com muito menos drama. Não tinha nada de identificável para mim ali, e eu não consegui apreciar a narrativa que deixava muito mais um gosto amargo do que qualquer outra coisa.

O parágrafo anterior poderia ser uma introdução para uma resenha escrita com base em uma releitura, que poderia acabar concluindo que: a) eu era muito nova quando li, foi no momento errado – e só agora eu conseguiria apreciar livro; b) eu só não gostei mesmo. Mas não é nada disso, porque não reli e, por enquanto, não pretendo. O primeiro parágrafo está ali só pra eu poder dizer que aquela citação que encabeça o texto não vem de uma obra da qual eu gosto atualmente, ou com a qual eu tenho alguma conexão em particular. A verdade é que não me lembro de tanta coisa sobre o livro (talvez valha a releitura, afinal), mas nunca me esqueci daquela passagem que, desculpem o eventual spoiler, é como o livro termina e pra mim é um daqueles finais extremamente poderosos.

Já usei parte dessa citação em um post antes, num blog que eu escrevia lá nos meus próprios quinze anos, justamente porque ela foi um final marcante e impactante, mas principalmente porque e é um momento da vida da Lee Fiora com o qual foi extremamente fácil de me conectar, de me identificar. Preliminar narra os quatro anos do ensino médio da personagem, que recebe uma bolsa para estudar em um internato conceituadíssimo. Assim, a experiência dela é espacialmente restrita – praticamente toda a ação se passa no campus da Ault. Lee tem muitos momentos ruins, e todos eles acontecem dentro da escola e estão relacionados a pessoas que ela conhece por meio da escola. Mas ela também tem suas pequenas alegrias, seus momentos de euforia – mesmo que fossem só por estar avançando em um jogo promovido pela escola, envolvendo todos os estudantes –, e eles também se passam lá. Ela vive confinada a um único espaço físico durante praticamente o tempo inteiro durante quatro anos.

Na cena final, Lee está - não me lembro bem em quais circunstâncias - numa estação de trem e ela para pra reparar em uma porção de pessoas das mais comuns, que a gente vê todo dia na rua: executivos, mães com suas crianças, adolescentes ouvindo música. E é um momento fantástico, porque ela sente uma espécie de euforia porque percebe que "o mundo era tão grande!", e que nenhuma daquelas pessoas estava relacionada ao mundo dentro do qual ela vivia.

Um internato sempre parece divertido quando a gente lê Harry Potter, mas no mundo real, acho que não, não gostaria de estudar em um, obrigada. O internato é uma boa representação do pequeno espaço confinado em que às vezes vivemos e que acabamos enxergando como se fosse todo o universo. Duvido que alguém precise ter realmente estudado ou vivido em um para conseguir sentir alguma identificação com Lee Fiora em sua pequena epifania da estação de trem.

De vez em quando, mesmo que raramente, isso acontece comigo. Domingo passado saí para almoçar; estava de carona e pude observar o caminho que nunca tinha feito antes, as ruas eram todas estranhas. Ruas de bairro, calmas, com mais casas do que prédios de dez andares. E, do nada, tive aquela sensação: todas aquelas casas cheias de gente que eu nunca conheci, e talvez – provavelmente, na verdade – nunca venha a conhecer. Talvez eu já tenha topado com muitos desses desconhecidos no ônibus, nas ruas apinhadas de gente do centro, na mesma sessão de cinema da qual eu saí tão maravilhada... Ou, talvez – de novo, provavelmente – não. Mas isso é o que menos importa. Porque o mundo é mesmo tão grande. Eu não consigo mensurar o um milhão e meio de pessoas que moram aqui, na mesma cidade, tão perto. Eu não consigo nem imaginar o que são sete bilhões de pessoas.

Sete bilhões de pessoas para quem eu não significo nada, absolutamente nada. Que não sabem nada sobre mim, ou que eu existo, que não têm expectativas quanto ao meu futuro, para quem eu não passo de uma pequena parte de um número enorme. E se isso não é maravilhoso, eu não sei o que mas é. A gente não precisa viver espacialmente confinada para às vezes se sentir presa: seja às expectativas (as nossas e as das outras pessoas) e noções pré-concebidas, seja às nossas responsabilidades, seja à nossa rotina e aos caminhos de todos os dias que a gente precisa pegar, à mesma linha de ônibus na qual a gente anda, às mesmas pessoas com quem a gente conversa, ou com quem a gente não conversa, mas vê de longe e reconhece.

Mas tem sete bilhões de pessoas lá fora; sete bilhões de possibilidades, espalhadas por não sei quantos lugares diferentes em um planeta imenso que, infelizmente, a gente nunca, nem com todo o esforço, vai conseguir conhecer por inteiro.

Assim como a euforia de Lee Fiora, a minha eventualmente, passou. Eu almocei, conversei com as mesmas pessoas, voltei pra casa e a vida seguiu. Daí ontem comecei a ler Someday, someday, maybe, o livro da nossa eterna Lorelai Gilmore, a Lauren Graham (que, por sinal, foi indicação da Mell, e fico feliz de dizer que estou adorando) e me deparei com isso aqui, no finzinho do capítulo dois:
É só uma superstição, mas olhar para o rio, para os barcos, para o letreiro na saída do Brooklyn que diz “Watchtower” em grandes letras vermelhas, é um ritual que me lembra de que sou pequena, uma entre milhares – não, milhões de pessoas que olharam para esse rio antes de mim, de um barco ou de um carro ou da janela do trem D, que vieram para Nova York com um sonho, que o realizaram ou não, mas que, contudo, fizeram o mesmo esforço que estou fazendo agora. Isso mantém as coisas em perspectiva e, estranhamente, me dá esperança (Someday, someday, maybe– Lauren Graham).
E concordei com a Franny, a narradora do livro. Acho que ela me entenderia. Porque lembrar que sou uma em milhares, uma em bilhões realmente mantém as coisas em perspectiva e também me dá esperança. Eu nunca quis ser o centro do mundo ou um special snowflake e sempre vou achar fantástico lembrar que, não importa qual seja o esforço que eu estou fazendo no momento, outras pessoas já o fizeram antes de mim, e muitas outras ainda vão fazê-lo, e isso é extremamente reconfortante e, sabe, bonito. Que bom que o mundo é tão grande.

Reflexões sobre um semestre sabático

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No meu último post, aquele que deu início a um bem-vindo hiatus de seis meses, eu me perguntei se ainda sou uma pessoa que escreve. Me perguntei se sou uma pessoa que escreve sem perceber que  os motivos para essa dúvida eram exatamente o que provava que sim, eu era. Eu sou.

Lá em maio, eu não conseguia terminar um texto, nenhum texto, mesmo que eu quisesse muito muito muito escrever. E eu, porque sou eu, foquei na coisa errada: os textos não finalizados. Eu podia ter focado na vontade de escrever, mesmo que naquele momento não estivesse dando em lugar nenhum.

Quer dizer: como eu poderia ser alguma coisa além de uma pessoa que escreve se eu tinha tanta necessidade de estar escrevendo?

É fácil explicar aqueles vários textos não finalizados, pensando bem. É um misto de exaustão mental (a universidade, ela é cruel) com um perfeccionismo infeliz que me assombra todos os dias, me dizendo que, não, não tá bom o suficiente, não importa que seja só um textinho prum blog bastante irrelevante no grande esquema das coisas.

E também teve o ano de 2015.

Sabe, esse blog, pra um blog pessoal, é bem pouco pessoal. Tudo o que eu puder transformar numa generalização, toda situação na qual eu consiga colocar um 'se' marcando um sujeito indefinido no lugar do 'eu', mais hora menos hora rende um texto. Ainda que eu ame filosofias baratas sobre a vida, o universo e tudo mais, elas quase sempre precisam vir de um jeito incrivelmente distante - e foi o que eu sempre fiz.

Mas, então. O ano de 2015. Em janeiro, tão cedo, logo no ano em que eu decidi que queria muito aprender a ser um pouquinho Pollyanna nessa vida, recebi uma notícia que eu quis esquecer todos os dias quando acordava, mas não conseguia. E eu não queria falar sobre o assunto, não queria nem pensar sobre o assunto, e não sabia como lidar com mais nada direito, porque as coisas pareciam bestas quando colocadas em perspectiva. Quem me segue no Twitter sabe que eu vivo reclamando de futilidades da vida por lá, e que às vezes até tenho uma crise de vamos-ler-Marina-Keegan-juntos, mas a verdade é que quando a coisa está especialmente complicada eu raramente acho os meios públicos da internet um bom lugar pra discutir.

E se o Twitter serve muito bem para ser abandonado e readotado conforme toca a música, esse blog, com sua (ok, minha) necessidade de pelo menos umas 900 palavras pra fechar um post, não funciona da mesma maneira. E, enfim, achei por bem dar um tempo.

Boa parte de 2015 foi essa cena de Mad Men, em que eu sou os dois personagens ao mesmo tempo - o Roger dizendo que you are okay e o Don, que claramente não está nem um pouco okay:


Crédito: x

Como eu não sei não estar okay, quis tirar um tempo de dizer por aqui que está tudo bem.

Mas eu recebi muitas boas notícias depois - muitas mesmo. As coisas têm melhorado, e muito.

Faz uns meses que eu li Toda Luz que Não Podemos Ver, um livro bem lindo do Anthony Doerr, e lá tem um diálogo que acabou ficando muito marcado na minha alma:
Quando eu perdi a visão, as pessoas disseram que eu sou corajosa. Quando meu pai foi embora, as pessoas disseram que eu sou corajosa. Mas não é coragem; eu não tenho escolha. Eu acordo e vivo minha vida. Você não faz a mesma coisa?
-- Anthony Doerr, Toda Luz que Não Podemos Ver
Marie-Laure, que diz essas palavras, vive na França sofrendo a ocupação nazista, vive escondida, perdeu a visão e foi deixada pelo pai, que precisou partir - e não tem absolutamente nada aí com que eu possa me identificar, ainda bem. Só que Marie-Laure pergunta pro interlocutor dela (removido aqui por motivos de spoiler - leiam esse livro?) se ela não faz exatamente o que todo mundo faz: acorda e vive a vida. Porque, no fim das contas, é o que a gente faz. Como diz Marie-Laure, não tem escolha. E quanto mais a gente acorda e vive a nossa vida, mais a gente percebe que consegue "suportar o insuportável", como diz a Cheryl Strayed em outro livro absolutamente incrível que li esse ano, Livre. O que era insuportável para a Cheryl e o que é insuportável para você ou para mim é que menos importa.

Acho que hoje, depois do meu hiatus prolongado, eu estou okay de novo. E, enfim, achei por bem voltar. Porque acho que finalmente posso voltar a escrever besteira à vontade, sem achar que estou sendo o Ross naquele episódio em que ele bebe todas aquelas margaritas e fica dizendo pra todo mundo que está ótimo quando claramente não está, como diz esse post incrível da rede social Tumblr.

Crédito: x

Em Mad Men, Sally, a filha adolescente do Don Draper, vai ao velório da mãe da colega de quarto (e corrige o pai quando ele chama a menina de amiga dela) e depois aproveita a viagem para Nova York pra... fazer compras. Coisas acontecem, ela tem umas conversas bem humanas com o pai, que são interrompidas por um telefonema num tom completamente diferente pra uma colega de uns quinze anos, e Sally conclui ao fim do dia: eu sou tantas pessoas. E acho que é isso - somos tantas pessoas em tantas situações diferentes.

Tipo eu, nesse blog: eu gosto que esteja tudo bem, e gosto de transformar situações concretas em situações abstratas para filosofar a respeito. Descobri que não dá pra abstratizar tudo, nem que eu queria, nem que eu precise, e tirei umas férias.

Mas voltei. No post que vem, a gente fala de Taylor Swift, dos Fitzgerald, ou sobre como o mundo é grande.

Que post enferrujado, você provavelmente está dizendo, e você tem razão. Consideremos, eu e você, por favor, que eu só esteja aqui pra dizer que oi, eu voltei, mas que obviamente precisei de mil palavras pra isso.

Obrigada pela paciência.

(Pelo menos as referências foram boas, né?)

Queridos Scott e Zelda,

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"Que coisa mais traiçoeira é acreditar que uma pessoa é mais do que uma pessoa".
(Cidades de Papel - John Green)

Era uma vez uma universitária de dezoito anos que pegou uma cópia de O Grande Gatsby na biblioteca e, pra poder devolver o livro sem pagar multa, leu as últimas palavras de Nick Carraway, o narrador, no silêncio da madrugada de domingo - e elas causaram uma impressão sem volta. A metáfora da luz verde, representando um amor perdido, a vida imaginada, mas nunca vivida, o Sonho Americano, ou o que você enxergar ali, que parece tão próxima só pra escapar do nosso alcance, pareceu tão universal e poderosa. Ela escapa, "mas não importa – amanhã correremos mais rápido, estenderemos os braços mais longe... E numa bela manhã –– E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, empurrados incessantemente ao passado".


Crédito: x

Fui conquistada pelo senhor Francis Scott Fitzgerald graças à sua prosa elaborada e cheia de imagens e ao sentimento de desilusão e desencantamento presente em O Grande Gatsby - ainda que Nick Carraway afirme que não importa, porque amanhã correremos mais rápido. (E nisso Fitzgerald acerta também: quer dizer, se você não tentar correr mais rápido no dia seguinte, seu sonho morre completamente. E, se seu sonho morre, como você continua?)

Foi porque O Grande Gatsby nunca mais me deixou descansar em paz que acabei indo atrás da bibliografia inteira do Fitzgerald (que ainda deve ter uns dois terços por serem lidos, um dia chego lá). E, porque ser fã casual é pros fracos, também fui ler mais sobre ele e a esposa, Zelda. Lendo as biografias bem trágicas dos dois, é fácil enxergar de onde o sentimento de desencantamento vem: Scott e Zelda foram símbolos dos Roaring Twentiesum casal festeiro e cheio de vivacidade nos anos 1920, mas entraram em declínio na década de 1930. Os dois morreram antes de completar cinquenta anos: Scott vinha sofrendo com o alcoolismo e com a exaustão, enquanto Zelda passou grande parte da vida entrando e saindo de clínicas psiquiátricas, e foi numa delas que ela faleceu, num incêndio.

Naquela proposta de juntar obrigações & diversão, em 2013 entrei num projeto de tradução da Wikipedia, e trabalhei com a página da Zelda. É um artigo longo e detalhado com ótimas referências, que cita o fato de Zelda hoje ser vista por muita gente como uma mulher talentosa e inspirada que não pôde colocar nada disso em prática por causa do marido controlador. Ao mesmo tempo, também não falta quem ache que os talentos de Scott tenham sido abafados por ela.


Eis que passei alguns meses lendo Querido Scott, Querida Zelda, um livro que reúne a correspondência trocada por eles ao longo das diversas fases do relacionamento (ser fã casual é pros fracos, parte dois). A correspondência, quase toda unilateral (porque Scott arquivava tudo e Zelda não), não conta necessariamente outra história, mas uma com mais nuances. Zelda teve mesmo a vida bastante controlada por Scott - mesmo que ele tenha se apaixonado por ela justamente porque ela era um espírito livre, uma flapper dos anos 1920, como muitas das personagens femininas que ele escreveu. Ao mesmo tempo, ele era o único responsável pela renda, e embora nunca reclamasse - ao menos nas cartas que sobreviveram - de precisar arcar com tudo (o que obviamente seria horrível), as internações custavam dinheiro. E ela dependia dele, mas também não poderia viver livremente quando estava internada. Nos últimos anos de vida, Scott teve um longo relacionamento fora do casamento, eles passaram muito tempo sem se ver. Not the stuff of fairytales, nem uma história pra gente romantizar por causa de umas coisas bonitas que ele escreveu com vinte e poucos anos.

Os dois trocaram muitas cartas ao longo da vida porque, apesar de casados, passaram muito dela separados. Muitas dessas cartas são de partir o coração, porque são do tempo em que Zelda vivia quase sempre isolada da família. Lendo a correspondência trocada entre eles, fica claro que os dois tinham seus aspectos problemáticos, que Zelda não era independente, que ele era muito mais livre. Existiram fases de sério ressentimento: quando Scott escrevia Suave é a noite, um romance bastante  autobiográfico,  Zelda escreveu Esta valsa é minha - basicamente sobre o mesmo assunto, o que deixou Scott com raiva  - mesmo que ele usasse trechos das cartas e diários dela em suas próprias obras. O romance de Zelda foi publicado, e Scott o recomendou para publicação, mas os relatos contam que ela precisou retirar o material que ele queria usar no próprio livro. Ao mesmo tempo, Scott ajudou a levar a público a escrita da esposa e os quadros que ela pintava, apoiando as empreitadas, já que Zelda também era uma pessoa artística, e ela tentou durante toda a vida canalizar esses impulsos de modos diferentes.

O que fica evidente foi que os dois viveram situações bem complicadas - às vezes juntos, muitas vezes sozinhos -, e que estavam tentando fazer o melhor que podiam. Zelda parecia resignada e forte diante de suas muitas internações e privações. Scott trabalhava demais ao mesmo tempo em que sofria com o alcoolismo e se preocupava demais com tudo.

A mitificação dos dois - seja como a face brilhante da Era do Jazz, seja como um trágico casamento fracassado - retira deles um pouco do aspecto humano. Zelda e Scott não foram personagens em um romance. E se parece incorreto romantizar os dois, também parece redutor transformar os dois em vilões que atravancaram a vida um do outro, impediram que o talento um do outro florescesse. As cartas demonstram o quanto os dois, na verdade, se preocupavam com o estado da saúde mental do outro porque, afinal, os dois sofreram muito. Ler as cartas me lembrou do quão humanos os Fitzgerald eram - quer dizer, às vezes elas eram simplesmente sobre as coisinhas do dia a dia que hoje você diria pelo telefone, ou, sei lá, Whatsapp.

"[Suave é a noite] representa fases da vida que estão acabadas, agora. Nós sem sombra de dúvida estamos numa onda ascendente, ainda que não tenhamos bem idéia de para onde ela está nos conduzindo. [...] Você e eu fomos felizes; não fomos felizes uma vez só, fomos felizes mil vezes. As chances de que a primavera, que é para todos, como nas músicas populares, possa ser nossa também - as chances são muito boas, no momento ..." (Scott para Zelda, 26 de abril de 1934).

"Você parece temer que [o livro] me faça recapitular o passado: lembre-se de que, na época, eu estava imersa em outra coisa - e desconfio que boa parte da vida é uma reformulação das tragédias e felicidades em que ela se baseou antes de começarmos a divulgar os motivos de ter sido como foi." (Zelda para Scott, depois de 26 de abril de 1934). [Trad: Beth Vieira]

Obviamente não sei qual é a verdade sobre os Fitzgerald - eu só li umas cartas e umas histórias, e seguiria sem saber se tivesse lido mais, se tivesse lido tudo. Sei que foram dois artistas talentosos, embora só um tenha tido sua obra imortalizada (até porque a da Zelda foi praticamente um único romance - e acho válido especular sobre o porquê). Sei que tiveram histórias fascinantes. Sei que passaram por épocas de êxtase e épocas muito escuras. Só sei que foram pessoas. Não um mito.

Pessoas.


Favoritos em 2015, parte I: do cinema

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Chega dezembro e tem início o mesmo #drama que começa em Abril. Mas também acontece de ela mesma, a Award Season, começar a dar sinais de vida. Por muito tempo achei que eu só gostava de acompanhar a época de premiações porque não tinha nada melhor pra fazer, mas é só ter alguma coisa pra fazer que começo a me perguntar se vai dar pra ver pelo menos o finzinho do tapete vermelho. Como diria Anahí, así soy yo.

Assim, nada mais justo que entrarmos nos meus próprios Favoritos do Ano de 2015. Quem me conhece um pouquinho já deve ter percebido que meus gostos são meiodesconexos mesmo, e essa lista tá aqui pra demonstrar o quanto. Se vocês repararem, a maior parte das minhas coisas favoritas foram bem mainstream e satisfatórias (o que não significa que foram felizes), e acho que foi isso que conduziu as minhas escolhas.

Sonhei um sonho de comentar todos os filmes que vi ao longo do ano por aqui, o que durou três meses, para a surpresa de: ninguém. Mas a verdade é que a maior parte do que eu vi em 2015 foi assistida nesses três meses mesmo, porque dedicar duas horas de atenção pra um filme vai ficando cada vez mais difícil com o passar dos meses. Mas teve bastante coisa boa, então vem comigo:

Teve drama histórico, obviamente, e meu favorito foi O Despertar de uma Paixão. um filme com uma fotografia absurda, locações lindíssimas e um belo desenvolvimento de personagens. O título é brega, mas o filme não é, é bonito e doído. Gostei bastante também de A Dama Dourada. Mais um filme sobre nazismo, mas um bem diferente, que enfoca a questão da restituição das obras de arte tomadas pelos nazistas. A Helen Mirren trabalhou tão bem que é extra fácil torcer por ela. (E as pinturas do Gustav Klimt, que coisa mais linda).


Não tava brincando quando disse que é bonito.

Teve cinebiografia e drama baseado em fatos reais, com destaque pra A Teoria de Tudo e Hotel Ruanda - ambos me colocaram pra chorar muito. O primeiro é uma homenagem bem convencional a duas pessoas extraordinárias que se torna especial  por causa das duas atuações fantásticas. O segundo é um enorme um soco no estômago, pesado e triste, que dá um tapa na nossa cara quando afirma que nós, do conforto do nosso lar, vemos o que acontece no mundo, dizemos que é horrível, e seguimos a vida.


E isso ainda aconteceu depois.

Teve filme longo, lento e reflexivo pra me deixar pensando por dias depois, tipo o injustamente não oscarizado Boyhood e a surpresa inesperada que foi Paris, Texas. Já falei da obra filmada ao longe de 12 (doze!) anos aqui mais de uma vez, mas falo de novo porque revi o finalzinho na TV esses dias: nunca vi um filme que trabalhou tão bem... a vida. Com muito menos Grandes Momentos e com muito mais apenas momentos. É nisso que eu penso quando lembro de Boyhood. (E o Richard Linklater escreve diálogos como ninguém, né?)


Pesou isso aqui.

Paris, Texas foi um filme que eu jurei que ia odiar quando começou, com longas imagens do deserto, uns tons verdes, um andarilho que não falava nada, um médico que parecia saído diretamente de um filme de terror. MAS, mas. São duas horas e meia acompanhando o esforço de um homem que passou quatro anos sumido para se reconectar com a própria vida e aceitar o fato de que, às vezes, a nossa vida imaginada, a nossa Paris, Texas, não acontece - e duas horas e meia descobrindo aos pouquinhos o que aconteceu. Não me surpreende nem um pouco que essa cena maravilhosa aqui embaixo, da conversa através do vidro espelhado, seja tudo que você acha na internet.


Teve clássico que mostrou por que merece a fama, tipo Janela Indiscreta, e arrisco dizer que é melhor do que Psicose, o único filme do Hitchcock que eu já tinha visto. É lindo o modo como o filme consegue ter a sua total atenção e criar muitatensão mesmo se passando dentro de um único cômodo. Aliás, a tensão vem justamente do fato de a gente só ter as informações filtradas pelos binóculos e pelas lentes do James Stewart, e é simplesmente genial.

Teve também Kramer vs Kramer. Eu sou bem molenga com histórias sobre pais e filhos, então comprei essa na hora. O personagem do Dustin Hoffman precisa literalmente aprendera ser um pai depois que a Meryl Streep some da vida do filho deles. Como acontece na boa ficção, você - concordando ou discordando - compreendeos personagens. Senti empatia pela mãe no começo, que se sentia sufocada sem poder ter ambições, e pelo pai no final, porque ele recebe, sim, um tratamento injusto na disputa pela guarda.

E também amei muito A Rosa Púrpura do Cairo. Divertido, criativo, e acho que fácil para qualquer pessoa que ama ficção amar também. Nos últimos tempos assistir a um filme do Woody Allen sempre me deixa meio sem saber como proceder, mas, objetivamente falando, é um filme ótimo - os diálogos, como de costume, são on point.


Quem nunca.

Teve Marvel provando que meu desprezo estava errado, com Guardiões da Galáxia. Já desisti de lutar contra a moda dos super-heróis e fazer de conta que só gosto de O Cavaleiro das Trevas. Mas eu vi o trailer de Guardiões da Galáxia... E tinha uma guaxinim falante. E uma... uma árvore. Imaginem minha surpresa quando o filme foi igualmente bem recebido por crítica e público. Ainda assim, só dei o braço a torcer esse ano - e me arrependi de não ter assistido no cinema. Foram duas horas de diversão pura e simples. É engraçado, a trilha sonora é maravilhosa, poderia ter chorado com a árvore se estivesse num dia mais sensível. Amei. Incrivelmente melhor do que Vingadores 2, e arrisco dizer que é melhor que o primeiro também.


"Que tosqueira, uma árvore e um guaxinim", eu disse.

Teve filme de domingo, com Um Senhor Estagiário e Chef, e eu estou aqui para mais uma vez reafirmar a necessidade e o poder de um bom filminho de domingo. O primeiro é o mais recente da Nancy Meyers, uma diretora e roteirista que eu adoro, que trabalha muito bem com filmes leves, mas cheios de sentimentos. Eu não esperava gostar tanto, mas é uma junção de Nancy Meyers + Anne Hathaway + Robert De Niro, então acho era meio óbvio que isso acontecer? É tudo bem limpinho, perfeitinho, e como disse alguém no Filmow, nem tráfego nas ruas de Nova York tem, mas gente: os diálogos, os sentimentos (!!!). Filhinhas fofas. Conflitos de geração. Deu pra rir bastante e até pra dar uma choradinha (tava num dia ruim, mas mesmo assim). Já o segundo filme foi uma grata surpresa do Netflix. Falei há pouco que adoro histórias sobre pais e filhos, então já tinha comprado a premissa desse aqui, mas ainda junta road movie, comida, jazz e umas latinidades: tá aí uma receita de sucesso.

Teve filme estrangeiro me lembrando de assistir mais coisas de outros países, tipo  A Chave de Sarah. Não é bacana que existam estéticas diferentes, costumes diferentes, compreensões diferentes, idiomas diferentes? Por que eu vejo tanto filme americano, senhor? (Inclusive: me indiquem todos que vocês amam, por favor).

A Chave de Sarah foi uma bonita surpresa. Sim, é outro filme sobre nazismo. Mas, de novo, outra perspectiva. Eu, pelo menos, ouvi bem menos sobre a ocupação em outros países europeus, como a França, que é o caso desse (e também de Toda Luz que Não Podemos Ver) (tem também o caso da Holanda, em A Espiã, outro filme de Segunda Guerra que vi esse ano - mas que achei bem novelão). É cheio de sensibilidade, que transborda também no que você não vê, no que você não ouve. O acontecimento mais traumático da vida da Sarah do título é acompanhado só pelas expressões no rosto dela, por exemplo.

E teve Livre, a adaptação pro cinema de uma das minhas leituras favoritas no ano. Acho que eu teria amado ainda mais o filme se não tivesse lido o livro primeiro, porque o segundo explora muito mais a dor, a autodestruição e o medo que levaram a Cheryl a decidir caminhar mais de mil milhas sozinha, sem treino e sem experiência, numa trilha. Mas o filme acertou muito na montagem para explorar os traumas e as memórias da Cheryl que, no livro, vai e volta o tempo todo, ligando o passado com o foco narrativo principal, a trilha. E a fotografia. As locações. As imagens e canções recorrentes. Eu adoro a Reese Witherspoon (a entrega dela nesse filme é incrível), e adoro mais ainda depois que descobri que ela criou a própria produtora para produzir mais histórias sobre mulheres.


Por fim, mais uns filmes bacanas que não me marcaram tanto quanto os outros: Terapia de Risco, Selma, Minhas Tardes com Margueritte, O Abutre, Charada, Tempo de Despertar, Perfume de Mulher (só porque o Al Pacino é ALGO), O Que Nós Fizemos no Nosso Feriado (alerta de filme de domingo).

Nos próximos capítulos ainda vamos de ler falar de tv, de livros e da trilha sonora de Mad Men de música.

Favoritos em 2015, parte II: dos livros (ou: uma retrospectiva)

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Quando separava os meus livros favoritos do ano, fiquei sem saber o que fazer. Pro meu ritmo, li bastante coisa, e fiquei bem feliz no final - a prova disso é quantidade de livros que receberam quatro ou cinco estrelas. Li muita coisa boa e que eu gostaria de indicar, por isso esse post vai funcionar menos como uma lista de favoritos e mais como um apanhado geral das leituras de 2015 - porque essa é, bom, a minha área.

Sem mais delongas, o que teve nesse ano?

Não-ficção, e muitos memoirs:  Comecei a ler não-ficção no ano passado, e enxergava mais como uma leitura pra saber coisas do que pra sentir coisas - até o dia em que eu parei pra ler um memoir: Maus, do Art Spiegelman (que é um quadrinho!). É uma espécie de autobiografia e biografia ao mesmo tempo, já que trabalha com dois níveis diferentes: no primeiro, você vê o Art, cartunista, entrevistando o pai, um sobrevivente de Auschwitz, e refletindo sobre o próprio trabalho e, no segundo, a história do pai. É sobre sobrevivência, perda, trauma, força, amor, e, talvez acima de tudo, uma história sobre pai e filho. Genial e muito tocante.

Livre, da Cheryl Strayed, foi uma das leituras mais fortes, poderosas, transbordando sinceridade, do ano. Cheryl perdeu a mãe, a quem era muito ligada, para o câncer aos vinte e poucos anos, e viu sua vida sair completamente do controle. Foi assim que ela, impulsivamente, sem preparação, sem experiência e completamente sozinha, decidiu caminhar a PCT, uma trilha difícil na costa oeste dos Estados Unidos. Cheryl se apresenta ao leitor com toda a honestidade do mundo, sem procurar desculpas ou explicações. É um relato muito pessoal e intenso, ao mesmo tempo em que é extremamente eficiente ao narrar a grande aventura que por vezes foi fazer aquela trilha - e os momentos de iluminação e compreensão que ela trouxe soam todos verdadeiros.

Li também o charmoso My Salinger Year, da Joanna Rakoff. Ela trabalhou na agência literária que representava Salinger durante o ano em que ele estava decidido a lançar uma novela depois de muito tempo sem publicar nada. O livro, é claro, não é realmente sobre Salinger, mas sobre a Joanna: sobre estar por conta própria no mundo pela primeira vez, sobre os medos e anseios que isso gera, sobre escolhas erradas - e sobre o poder da literatura em nossas vidas, sobre quem nós nos transformamos, que aparece nas dezenas de cartas endereçadas a Salinger que Joanna lia por ele e nas próprias leituras que ela faz de suas histórias.


Não foi um favorito, mas também teve seus méritos: The White Album, da Joan Dideon. São ensaios escritos entre o final da década de 1960 e a década de 1970. É uma coletânea com vários altos e baixos, mas fiquei particularmente impressionada com a capacidade da autora em falar sobre temas como o sistema de distribuição de água da Califórnia, represas e shopping centers e conseguir tirar dali uma pungência inacreditável, ou fazer com que aquilo soasse incrivelmente pessoal. Isso é tudo a que eu aspiro na vida.

Outas leituras: Just Kids, Patti Smith; Querido Scott, Querida Zelda.

Literatura russa: Cursei uma disciplina de literatura russa esse ano e foi a melhor coisa do mundo. Obviamente não tivemos tempo de ler aqueles belos calhamaços, mas foi uma ótima introdução aos russos através de seus contos. Acabei tirando um tempinho (uns dois meses, com algumas interrupções) pra ler Anna Karenina, do Tosltói. É uma leitura extremamente boa, cheia de personagens bem desenvolvidas, longas frases super bem construídas e diálogos, muitos diálogos, sobre várias questões da Rússia do século XIX. Não é uma leitura difícil - é longa e por vezes muito lenta, e daí talvez acabe parecendo pesada, mas juro que não é! Não sei qual era a intenção do Tolstói ao escrever o livro, se era pra gente condenar alguém ou não, mas isso é completamente irrelevante - as personagens e as hipocrisias da sociedade são tão bem exploradas que, pelo menos pra mim, isso não foi possível. Teve muitos #dramas, e eu adorei.

E essa imagem do Levin olhando pra Kitty? 

Outras leituras: Felicidade Conjugal e A Sonata Kreutzer, ambos do Tolstói.

Vozes diferentes: Quase que totalmente devido a uma matéria de literatura norte-americana que cursei no ano, tive a chance de ler diversos autores que discutem raça, imigração, nacionalidade. Se a literatura pode nos ajudar a entender melhor a nós mesmos, ela também pode nos ensinar um pouquinho mais sobre o outro, sobre empatia - e, para isso, a gente precisa ouvir (ou ler) o outro. Se vocês nunca assistiram esse TED da Chimamanda Adichie, por favor, parem pra ouvir por uns minutinhos:


Um dos grandes destaques do meu ano foi O Olho Mais Azul, da Toni Morrison, centrado em três menininhas que estão presas às margens da sociedade por tudo o que são: são mulheres, são negras, são crianças, são pobres. Mas vêm de ambientes familiares completamente diferentes. Impossível não se sentir comovido pela destruição da pequena Pecola, que só queria ter olhos azuis porque achava que só assim poderia ser amada, e pelo esforço de Claudia e Frieda para salvá-la. Foi forte e extremamente triste, mas uma leitura muito importante.

Outras leituras: Americanah, Chimamanda Ngozi Adichie; Jasmine, Bharati Mukherjee; Faces in the Moon, Berry Louise Bell.

(Fica aqui registrado meu desapontamento ao perceber que, de novo, praticamente todos os autores que eu li eram norte-americanos).

Obras históricas: O lindíssimo Toda Luz Que Não Podemos Ver, do Anthony Doerr, foi um dos meus mais queridos. É lento, demora a dizer exatamente onde está indo, tem duas histórias paralelas que não se cruzam, vai e volta no tempo, mas me deixou maravilhada quando finalmente percebi para onde ele estava indo. A linguagem é muito bonita e é uma narrativa cheia de imagens sobre a luz visível e invisível e todas as coisas que nós não vemos, mas que estão lá.

Também li O Retrato, do Erico Verissimo, o segundo volume da trilogia (de sete livros) mais famosa do Rio Grande do Sul. Enquanto O Continente é um apanhado de histórias diferentes, contando as origens do povo, O Retrato é muito mais um estudo de personagem - o complexo, contraditório e interessantíssimo Rodrigo Cambará número 2.

Ficção contemporânea: Li Eu Sou o Mensageiro, do Markus Zusak, um autor que sabe escrever personagens muito verdadeiros e trabalhar bem a linguagem - nesse caso, a linguagem cheia de gírias de um jovem, o que me incomodou um tantinho, mas entendo o ponto. Amei, achei lindo, emocionante sem pieguice, e foi bem inesperado. "Algumas pessoas são bonitas ... só pelo que são".

Li também o incrível A História Secreta, da Donna Tartt. Cheio de referências aos verdadeiros clássicos, com personagens horríveis, mas maravilhosos, e simplesmente impossível de parar de ler - mesmo que você fique sabendo o clímax já no prólogo: aquelas pessoas mataram alguém. No capítulo um, Richard, o narrador, te conta sobre o tédio que sentia na infância e adolescência e seu desejo mórbido pelo pitoresco a qualquer custo, e apesar das ações desses personagens serem questionáveis em todos os níveis, elas são totalmente coerentes dentro da narrativa. É claro que o Richard ia se enfiar naquilo. Ele queria o pitoresco a todo custo. Fantástico, embora perca um pouco de força na segunda parte.


A Trama do Casamento, Jeffrey Eugenides: Talvez eu tenha gostado desse livro por causa da protagonista que vai estudar literatura porque adorava ler, sem saber a que fim aquela faculdade ia levar, e do perpétuo incrédulo numa busca meio louca por alguma crença e por Sabedoria, mas meio que pelos motivos errados, que já planejou um futuro inteiro baseado numa pessoa que ele sabe que provavelmente nunca vai ter. A trama é cheia de referências a teorias literárias que poderiamsoar pretensiosas, mas elas têm um motivo para estar lá: como pensar em amor quando você passa tanto tempo desconstruindo essa ideia? Uma 'trama de casamento' ainda pode existir no século XX, quando ela parece tão ligada a modelos sociais ultrapassados? Seria buscar por ela renegar a própria independência? São questões.

Outras leituras: A Redoma de Vidro, Sylvia Plath; A Época da Inocência, Edith Wharton; O Velho e o Mar, Ernest Hemingway; A Casa dos Espíritos, Isabel Allende.

Shakespeare - e sobrevivi pra contar: Esse ano, também na faculdade, tive que encarar um dos meus grandes temores literários: ler Shakespeare. Não só ler, como também ler no original. Uma das coisas que eu aprendi no meu primeiro semestre na Letras, no entanto, foi que você não pode se aproximar de nenhuma obra com medo. Você sabe ler, certo? Então vá lá com humildade e faça o melhor que pode. Você vai esgotar as possibilidades de leitura da obra? Pouco provável. Outras pessoas vão enxergar coisas além daquilo que você enxergou? Bem possível. Mas e daí? Com isso em mente, fui lá e li Macbeth e Romeu e Julieta. Foi fácil? Não. A leitura foi demorada, tive que pesquisar várias palavras e até alguns trechos inteiros e algumas coisas continuam meio obscuras. Mas li. Ainda que as tramas sejam simples, a linguagem é muito, muito interessante (e deve ser melhor, óbvio, de fato assistir às peças e ouvir a poesia da coisa). Me digam se não é bonita a linguagem do Macbeth para descrever o tamanho do sentimento de culpa depois de planejar um assassinato:


Ao mesmo tempo, nunca deixem ninguém enfiar a obra dele numa visão elitista da literatura. Lembrem que, por mais dramática que fosse a coisa, tinha sempre um bom alívio cômico, tipo um porteiro que fala sobre a bebida provocar o desejo, mas levar embora a performance, no meio de uma peça sobre cobiça e assassinato a sangue frio.


Contos:
"A short story works to remind us that if we are not sometimes baffled and amazed and undone by the world around us, rendered speechless and stunned, perhaps we are not paying close enough attention."
"Cathedral", do Raymond Carver, pra te mostrar quantas maneiras diferentes existem de experienciar o mundo, de se expressar nele, e também de entender e expressar o que ele é;

"Lullaby", da Leslie Marmon Silko, pra te mostrar que existem muitas maneiras de enxergar e carregar as alegrias e as dores;

"Winter Dreams" e "Love in the Night", do F. Scott Fitzgerald, pra ler sobre sonhos perdidos e desencantamentos;

"Mumu", do Ivan Turgenev, pra uma meditação sobre as desigualdades sociais num regime de servidão - e pra ter o seu coração destruído;

"Cold Pastoral", da Marina Keegan, pra uma história sobre o modo como uma morte repentina deixa tudo numa eterna indefinição, para sempre sem resposta (lendo o poema do John Keats de onde o título saiu o conto fica ainda melhor).

Coletâneas: Forgotten Fitzgerald; All the Sad Young Men, F. Scott Fitzgerald; The Garden Party and Other Stories, Katherine Mansfield; The Opposite of Loneliness, Marina Keegan.


REFLEXÕES FINAIS

Decepção: A Garota no Trem. Personagens ruins, mistério ruim, previsível, narrativa chata.

Surpresa: Vivian Contra o Apocalipse. Num ano de YAs bem decepcionantes, fiquei muito feliz com esse, que conseguiu me prender até que eu terminasse de ler, teve boas reviravoltas, boas discussões sobre a sociedade, ótimas personagens e o único romance adolescente que eu comprei completamente no ano.

A que mais pesou: O Olho Mais Azul.

A mais leve: Eu realmente não me diverti muito lendo no ano de 2015. Acho que a que o que mais arrancou umas risadas foi O Duque e Eu, mas não sei se vou ter paciência pra prosseguir com a série dos Bridgertons se todos seguirem a mesma fórmula.

Favorito: Histórias sobre recorrer à natureza em busca de algum tipo de compreensão mais profunda não são incomuns, e eu sempre penso naquele trechinho de Walden, um livro que eu ainda vou ler, sobre ir para o meio do mato para "encarar somente os fatos essenciais da vida". É isso que acontece em Livre - e, por tabela, um pouquinho com a gente. Portanto, fica escolhido como meu favorito esse relato sobre se perder e se encontrar e aprender que a gente consegue suportar o insuportável.

"How wild it was, to let it be".

Favoritos de 2015, parte III: da TV e da música

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Para terminar a incrível série de Favoritos do Ano, um post que junta duas coisas que não têm relação nenhuma - mas que vêm juntas porque são aquelas sobre as quais eu tenho menos coisas pra dizer.

Acho um pouco difícil acompanhar as modas da televisão, porque o tamanho do comprometimento com uma série, que talvez acabe se estendendo por anos, é bem grande. Os únicos hypes do ano que consegui acompanhar foram os da Marvel na Netflix e Unbreakable Kimmy Schimidt (pra essa adianto que: não deu).

Demolidor tem bastante sangue e violência física e é tão uma série de ação, sabe, me dá um soninho (olha o nome do negócio, Fernanda). Por outro lado, achei fascinante que o Matt Murdock é bem católico e se consulta com um padre antes de tomar decisões, e o quanto a ideia de matar alguém (ainda que seja um Vilão dos Quadrinhos) deixa ele desconfortável. Pena que o único episódio que achei realmente ótimo, porque é baseado em flashbacks que trabalham a amizade do Matt com o Foggy (já amo) com mais profundidade, é o menos querido pelo público, aparentemente. Talvez eu esteja vendo isso errado. Mas vamos continuar e ver no que dá porque:

(Porque superficial & vendida pra qualquer historinha bonitinha, por isso mesmo).

Por outro lado, teve Jessica Jones, e essa é definitivamente uma das minhas coisas favoritas do ano. Também é uma série mais obscura sobre uma heroína, mas a ação e a violência física e o sangue vêm em quantidades menores - a série pesa mesmoé no aspecto psicológico (que é ótimo). Kilgrave e seu total controle de qualquer mente é um vilão muitoassustador, e o fato de ele usar esse controle em cima da Jessica porque, diz ele, está apaixonadopor ela, para mandar as mulheres sorrirem pra ele, para constantemente afirmar que só deu à Jessica tudo o que ela queria, foi brilhante da parte dos roteiristas. A série tem personagens femininas ocupando todos os espaços, tem uma amizade linda no centro, tem momentos tensos excelentes, boas atuações por parte dos protagonistas e a Jessica é uma investigadora particular (!!!). Bem excelente.


Incrível.

Nas comédias, pras quais eu sou bem mais chata, assisti Younger e adorei. A Sutton Foster tem um timing cômico ótimo, a história se passa numa editora (!), tem as modas, tem amizades entre mulheres, tem muitas conversas sobre livros, tem uns conflitos reais da protagonista, tipo: o personagem do Nico Tortorella, tão bonito... Mas ele não gosta... de... ler (!!!). É leve e genuinamente divertida, sem forçar no humor (tipo c e r t a s comédias que acertaram mesmo foi na abertura - odeio esse humor super caricatural).

E tiveram os episódios finais de Mad Men. Melhor final de série em muito tempo, com uma conclusão que não é exatamente ambígua, mas que permite que você enxergue otimismo ou cinismo lá, e as duas coisas são, sim, justificadas - depende muito mais de você, da sua visão sobre a publicidade, sobre o Don e companhia e sobre o quanto as pessoas podem ou não mudar. Meio inacreditavelmente, perdeu os Emmys, inclusive de roteiro, pra Game of Thrones (a Academia de Artes & Ciências Televisivas assistiu essa cena?). Mas paciência, vida que segue, tem outros troféu:


Quanto à música, já comentei que não sou muito ligada em lançamentos, em acompanhar discografia de praticamente artista nenhum, então a verdade é que eu passei boa parte do ano escutando os mesmos CDs que eu ouço desde sempre - e uma mesma playlist no 8tracks. The End of an Era é uma coleção maravilhosa de algumas das melhores músicas tocadas nos créditos finais de Mad Men (EU SEI, já deu, eu sei) ao longo dos anos - apesar de terem faltado algumas das minhasfavoritas. A playlist também acaba mostrando a evolução da música ao longo da década de sessenta, e ouvir por inteiro é uma experiência bem legal.
Favoritas:Don't Think Twice, It's All Right; The End of the World; Bleecker Street; This Will Be Our Year; Both Sides Now (...but still somehow it's life's illusions I recall... gente, que letra).


Tá, mas e o que mais dá pra dizer eu gostei de ouvir esse ano?

Esse ano ouvi muito pop, bastante ex-Disney Channel, viciei em boyband, dei o braço a torcer pro disco novo do, olha só, Justin Bieber (mas melhore, Justin Bieber) e me esforcei pra não deitar no escuro ouvindo música melancólica porque não era disso que eu precisava (a rainha da melancolia voltou, no entanto, e dei uma escorregada). Os favoritos foram esses, mas ouvi muitas outras coisas das quais não lembro mais:

Classics, She & Him: She & Him foi um dos meus artistas mais escutados cem por cento por causa desse disco. Não tem muito o que dizer: é uma seleção bem bonitinha e perfeitinha de, como diz o título, clássicos, na voz da Zooey Deschanel, e eu não preciso de muito mais do que isso. Pode ser música de sala de espera de dentista? Pode. Mas e aí?

Favoritas: Stars Fell on Alabama; Oh, No, Not My Baby; This Girl's in Love with You. (E God Only Knows, que não faz parte do disco, não sei de onde surgiu, mas deveria).

How Big, How Blue, How Beautiful, Florence and the Machine: Acho que Florence and the Machine tem tudo: os vocais poderosos da Florence, a música e a sonoridade, as letras. Tanto acho isso que tenho favoritas que são mais sobre os vocais e a letra (é sobre Gatsby, pra surpresa de ninguém) e outras que não têm nenhuma das duas coisas - a intro de Bird Song é uma das coisas mais bonitas e que mais me emocionam nessa vida. Esse disco tem todas essas coisas, e é lindo no minimalismo de "St. Jude", na letra de "Various Storms & Saints", na finale instrumental que fecha com chave de ouro a coisa incrível que é a música-título.

Favoritas: HB, HB, HB; Various Storms & Saints; St. Jude; What Kind of Man.

Revival, Selena Gomez: Uma grande surpresa. Resolvi começar a ouvir pela indicação da BFF Taylor Swift, "Hands to Myself" - uma música que achei bem chata, descupa - e desisti logo depois. Mas o CD foi recomendado por uma amiga depois disso, e resolvi dar outra chance porque eu simpatizo com a Selena, já que ela te pergunta quem diz que você não pode fazer as coisas que você quer (valeu, miga). E não é que adorei? Tem umas coisas dispensáveis (Body Heat é meio péssima), mas num geral é um disco pop bem coeso sem ser nem um pouco repetitivo, gostoso de ouvir, com um tom bacana de empoderamento e um belo adeus pro Justin Bieber.

Favoritas: Kill'em With Kindness (uma mensagem que eu preciso muitíssimo internalizar); Same Old Love; Me & the Rhythm; Good for You.

(Engraçado pensar que eu costumava achar a música da Demi muito melhor do que a da Selena, mas nem consegui terminar de ouvir Confident) (ex-Disney Channels e seus afetos, parei pra ouvir todos) (até a Hilary Duff voltou de um hiatus de aproximadamente 84 anos e, apesar de não ter sido essa coisa toda, teve música fofa).

Made in the A.M., One Direction: Pra ser bem sincera, One Direction sempre foi uma coisa na qual eu não prestei muita atenção. Não entendia o apelo quando eles apareceram e pareciam ter catorze anos (ainda brm que o tempp passa, né?) e, na verdade, continuo achando os três primeiros discos (como é que eles lançam tanto CD) meio aquela coisa: bacaninha, até, mas generiquinho. O fato é que "Perfect" aconteceu e eu fui ouvir por motivos de Taylor Swift ("if you're looking for someone to write your breakup songs about", I rest my case). E genuinamente adorei. Continua sendo pop gostosinho de escutar, mas bem menos I think it went oh oh oh, I think it went yeah yeah yeah, se é que isso faz sentido? Dispenso as baladinhas porque acho bem genéricas, mas gostei muito mesmo de todo o resto, achei que explora umas vertentes diferentes do pop e acerta em todas, e eles realmente cantam bem, né?

Favoritas: End of the Day; Perfect; Never Enough; e só Deus sabe por que A.M. ficou pra faixa-bônus.

25, Adele: O hype da Adele é um do qual eu sou proud member - e tô aqui pela voz mesmo; ela pode cantar a lista do supermercado que tá ok. Ainda acho meio difícil diferenciar um disco do outro, a sonoridade é bem parecida e os temas também, mas o mais importante é que eu gosto dos três. A minha favoritíssima, na melhor melancolia adeliana de ser, é "When We Were Young", uma bela meditação sobre a passagem do tempo. Entendo cem por cento por que Adele está falando sobre quando era jovem mesmo ainda estando nos vinte anos, porque is this not me?

Favoritas: When We Were YoungSend My Love (To Your New Lover); Water Under the Bridge. Mas eu gostei de todas - foi tudo meio dentro do esperado.

Bônus: já falei das duas aqui, mas as trilhas sonoras de Interestelar e A Teoria de Tudo colocaram Hans Zimmer e Jóhan Jóhannsson entre os meus artistas mais ouvidos. Em dezembro, seguem sendo maravilhosas. Especialmente a primeira, que é mais do que boa, é mágica (sério, transformar o órgão, um instrumento que já soa meio etéreo, em som do espaço foi 10/10).



Sei lá como é que o Hans Zimmer conseguiu transformar isso aqui em som, mas conseguiu.

Com essa citação deveras inspiradora de Interestelar, que possivelmente está falando exclusivamente sobre americanos (porque americanos são americanos), mas que eu vou transformar em uma mensagem universal, me despeço e deixo aqui meus votos para que 2016 seja um ano mais gentil com todos nós, e que, principalmente, nós sejamos gentis uns com os outros - e com nós mesmos. Feliz 2016!

O que é um mundo onde não há quase ninguém?

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Muitos anos atrás, voltando de uma viagem com a minha família, entramos numa cidade pequena e paramos para almoçar num shopping. Lembro desse dia porque, apesar de termos conseguido um lugar para comer mesmo que fosse tarde para os padrões das cidades pequenas, aquele shopping me deu uma estranha sensação devazio. A maior parte das lojas e dos restaurantes da praça de alimentação tinham deixado de funcionar, mas ainda conservavam as fachadas, os nomes que um dia tiveram.

Anos depois, caí aleatoriamente num artigo sobre o fim da cultura dos shopping centers nos Estados Unidos (é mais ou menos a Ascensão e Queda do Shopping Center), e descobri que existe um grupo de pessoas que têm como hobby visitar shoppings abandonados e compartilhar fotografias desses lugares na internet. Foi mais ou menos na mesma época que descobri um parque de diversões japonês abandonado há uma década que fotógrafos adoram visitar, trespassando seus muros, para fotografar. Fotografias de lugares abandonados guardam um fascínio estranho. É estranho e melancólico e meio angustiante observar aqueles lugares que um dia estiveram tomados por pessoas agora vazios, definhando aos poucos, com a natureza, crescendo através do concreto e escondendo as estruturas das construções, tomando de volta os espaços que um dia nós ocupamos.

Como naquele dia em que procurava um lugar para almoçar num shopping center que parecia não ter dado certo, essas fotografias me dão uma estranha sensação de vazio que eu não sei como explicar. Talvez esteja em testemunhar a permanência das estruturas que criamos para nós mesmos quando somos tão inconstantes - um dia frequentamos um parque criado para emular a Disney num país distante, no outro temos a própria Disney e não precisamos mais de lá. Talvez esteja em pensar que o farol em desuso um dia guiou o caminho de dezenas, centenas de barcos que passavam por aquele pedacinho do oceano todos os dias, ou que o posto de gasolina em desuso um dia evitou que longas viagens de carro fossem interrompidas. Talvez esteja em enxergar possíveis sonhos abortados, os pequenos negócios que não conseguiriam prosperar, ou que não conseguiram acompanhar o ritmo das mudanças das necessidades do mundo.

Tem  um ensaio da Joan Didion, At the dam, em que ela discute sua fascinação pela Represa Hoover, no estado de Nevada, e o modo comoa frenquentemente se via falando sobre a construção em suas conversas. Ao longo do ensaio, Didion apresenta diversas razões que poderiam explicar seu fascínio, mas conclui, no final, que está no mapa estelar que existe no local. O guia de sua visita à represa explica que aquele mapa deixa registrado para toda a eternidade, para qualquer um que saiba ler as estrelas, a data em que a represa foi inaugurada - "para quando todos nós tivéssemos partido e a represa tivesse ficado". Ao que Didion conclui: "É claro que essa era a imagem que eu sempre vira, vira sem realmente perceber o que via, um dínamo finalmente livre do homem, enfim esplêndido em seu isolamento absoluto, transmitindo energia e liberando água para um mundo onde não há ninguém."

A imagem do mapa estelar não se apagou mais da minha memória e foi nessa imagem que eu me peguei pensando quando lia Estação Onze, em que Emily St. John Mandel nos apresenta ao nosso próprio mundo só para devastá-lo por uma gripe que acaba sendo letal - a gripe da Geórgia dizima, estima-se, noventa e nove por cento da população do planeta. Com uma narrativa não-linear, centrada em uma série de personagens que têm como denominador comum o fato de em algum momento terem conhecido Arthur Leander, um ator de meia idade que morre subitamente no primeiro capítulo do livro.

Estação Onze nos apresenta ao mundo antes, durante e depois do surto de gripe. O mundo de depois é um cenário bastante similar aos mundos pós-apocalípticos que estiveram tão na moda nos últimos anos - a diferença, para mim, foi que aqui vemos a Terra se transformando naquele cenário. Não são apenas personagens que nasceram e foram criados naquele mundo, que só conhecem aquilo, mas personagens que viveram e experienciaram a nossa sociedade da maneira que vivemos, e precisaram aprender a lidar com a perda dela. Aos poucos, deixam de existir os meios de comunicação, os meios de transporte, a energia, o combustível - com noventa e nove por cento da população morta, como tudo poderia continuar funcionando? Com noventa e nove por cento da população morta, é quase aquele mundo onde não há ninguém. Mas a ênfase está no quase.

A narrativa me deixou, quase sempre, com aquela estranha sensação de vazio. Para Joan Didion, o dínamo está finalmente livre do homem; interpretamos essa imagem de jeitos completamente diferentes - para mim, ela também gera uma estranha fascinação, mas cheia de pura e simples angústia. Porque um dínamo transmitindo energia e liberando água num mundo onde não há ninguém não tem razão de existir - é só uma prova de nossos esforços, de que um dia estivemos aqui e fizemos o deserto florescer, como diz um monumento instalado no local em homenagem aos 96 operários que morreram durante a construção da represa.

A mesma sensação esteve bem presente durante a leitura de Estação Onze, ao mesmo tempo em que era impossível parar de ler porque era completamente instigante. Ele nos apresenta a um mundo lúgubre, onde quem restou não têm certeza de como prosseguir, precisa reaprender a viver sem tudo aquilo que tomava como certo, um mundo onde idolatrias logo ressurgem por causa da necessidade de encontrar alguma razão espiritual que explique o que aconteceu. Um grupo sobrevive em um aeroporto (numa imagem incrível do estado em que se encontram, entre uma coisa e outra), estabelecendo lá uma espécie de comunidade, uma rede de solidariedade, mas a figura de um avião pousado ao longe, em quarentena e impedido de abrir suas portas, paira sobre eles. Mas, se o mundo é sombrio, é preciso encontrar um motivo para continuar, que aparece em outra imagem poderosa, da Sinfonia Itinerante. Num mundo destruído, ela sai pela estrada, representando Shakespeare e apresentando música clássica nas pequenas aglomerações de sobreviventes. A Sinfonia é a resistência, a vontade de continuar, de reconstruir, é o dizer que nós ainda somos humanos.

A estranha sensação de vazio ficou comigo na maior parte da narrativa ao pensar em todos aqueles lugares abandonados, na personagem que sai para explorar e descreve o mundo lá fora como um silêncio, no personagem que aparece dizendo que pensou que era o único. É um cenário pós-apocalíptico sem zumbis dos quais se esconder, sem um novo governo ditatorial ao qual combater - é um cenário do vazio. Só resta àquelas pessoas superar o trauma e buscar a reconstrução daquilo que um dia viram acontecer. O final é incrivelmente esperançoso, ainda que bem sutil e indefinido.

Não sei definir exatamente que tipo de livro é esse: se é uma ficção científica, uma distopia, mas sei que foi menos uma história de ação do que uma história de reflexão - claramente me fez pensar bastante. Se o inferno são os outros, o que é um mundo não há quase ninguém? - uma personagem se pergunta, caminhando no vazio. Para ela, pensar que a humanidade talvez logo fosse acabar é mais sereno do que triste, e é verdade que o planeta viu surgirem e desaparecerem muitas espécies. A natureza simplesmente retoma seu espaço. Mas a espécie nunca se foi realmente e, para aquele personagem que durante muito tempo imaginou ser o único, tenho certeza de que o inferno era o oposto dos outros. O inferno era o abandono.

The chaos // the calm

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Li O Teorema Katherine, do John Green, quando estava prestes a começar uma nova Grande Etapa da Vida, a faculdade. Na época, ainda escrevia no meu finado blog literário e lá falei sobre como a junção de Colin, o protagonista, com a sua obsessão com fazer alguma coisa significativa e grande para o mundo, e Hassan, o melhor amigo que gostava de passar muito tempo assistindo Judge Judy na televisão, pareciam a síntese de uma pessoa comum. (Com pessoa comum eu na verdade só queria dizer não um personagem fictício criado numa história fictícia para te fazer sentir e pensar em coisas específicas, se o autor for bem sucedido). Tenho uma tendência horrorosa a generalizar as pessoas de acordo com quem eu sou e como enxergo as coisas, então não sei se a junção dos dois personagens de fato é a representação de uma "pessoa comum".

Mas sei que a junção dos dois personagens é uma boa representação da minha própria pessoa.

Uma vez, há dois anos, escrevi aqui que o fato de o mundo ser tão grande me conforta. E sigo acreditando nisso. O mundo é grande, tem bilhões de pessoas, e é por isso mesmo que tudo bem. Tudo bem se ontem eu errei colossalmente ou precisei fazer um desvio de emergência ou nem dei a partida. No grande esquema das coisas, é tão provável a gente machucar o universo quanto ajudá-lo, e é improvável que a gente faça qualquer um dos dois, como diria Augustus em A Culpa é das Estrelas, descrevendo a maneira que a Hazel enxergava o mundo (ele só consegue olhar admirado porque quer deixar uma marca). (Uma digressão: A Culpa lida com aquela mesma questão de Teorema, mas por outros meios). Afirmei no meu post que eu não queria ser o centro do mundo, nem especial. Nunca quis.

Mas passei boa parte dos últimos meses lendo e relendo Song for the Special, um ensaio escrito pela Marina Keegan aos vinte e poucos anos e que foi reunido no seu livro póstumo, The Opposite of Loneliness, depois que ela morreu num acidente de carro alguns dias após da formatura. Marina fala sobre como toda geração acredita ser especial por algum motivo ou outro, e que desde crianças somos ensinados de que somos únicos, de que ninguém mais é exatamente como a gente, e  que podemos fazer o que quisermos.

Não cresci acreditando ser um gênio como o Colin em O Teorema Katherine, nem nunca tive nenhuma aspiração tão grandiosa quanto as dele. Tudo bem não mudar o mundo. Quase ninguém ganha um Nobel. Um Oscar. Um Pulitzer. Mas cresci ouvindo que eu podia fazer coisas, que eu podia fazer o que quisesse, que eu tinha um grande futuro pela frente. Mas eu era eu, e isso pesava mais do que me confortava. Quando cheguei na universidade, eu era só mais uma no meio de muitos e isso foi bom. Não tinha mais tantas expectativas. Era a tela em branco que eu sempre quis.

Eis que no final do ano, se tudo der certo, vou me formar e dar adeus, mesmo que seja temporário, à universidade. Vou ter um diploma, vou ser graduada, vou ter completado outra Grande Etapa da Vida. E a situação real vivida pela Marina Keegan numa conferência é uma bela imagem do que a vida parece nesse momento:

Fui a uma conferência sobre arte em Manhattan na primavera passada, e todo mundo se atropelava para conhecer todo mundo, assegurando sua individualidade como tristes caixeiros-viajantes. (...) Eu não tinha um cartão de visitas. Eu nem tinha pensado nisso. Talvez tenha sido engraçado ou bonitinho, mas só fiquei constrangida. Não tenho um cartão, eu dizia de novo e de novo. (Ha ha!) E sentava em outro painel para fazer anotações e assentir com a cabeça. Tinha tanta gente lá.

Tinha tanta gente lá. Continuo achando isso bom. Sete bilhões de pessoas, sete bilhões de possibilidades, como eu afirmei há dois anos. Mas tem tanta gente com as mesmas aspirações que eu, buscando os mesmos objetivos, tanta gente boa, e preparada, e que parece tão mais propensa a fazer alguma coisa, quem sabe até alguma coisa Importante para o Mundo. E eu também nem tenho um cartão de visitas.

Você pode ser o que quiser, eles nos dizem. Ninguém é igual a você. Mas eu pesquisei meu nome no Facebook e me deparei com oito fotinhos me encarando. As Marina Keegans com suas cidadezinhas e status de relacionamento. Quando morrermos, nossas lápides vão combinar. AQUI JAZ MARINA KEEGAN, dirão. Números um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito.

Eu não tenho um cartão de visitas e não sei que cara o próximo ano vai ter. Muito menos os próximos cinco anos. Onde você se vê em cinco anos? Não sei. Não tenho certeza. Enquanto isso, parece que todo mundo tem a vida no lugar e, mesmo quando não tem, tem mais ideia do caminho. Marina culpa a internet, onde tudo está disponível e facilmente acessível - incluindo o sucesso alheio. Mas eu não culpo a internet. Porque ela também te deixa ver que o mundo é mesmo muito grande, e tem um universo de pessoas bem maior do que a sua limitada rede de amigos deixa transparecer (por mais incrivelmente sociável e bem relacionado que você seja) - um universo de pessoas com dúvidas, com anseios e, às vezes, sem medo de falar sobre eles. Alguém já teve os mesmos sonhos que eu e deu certo, o que significa que pode dar. Alguém já teve o mesmo sonho que eu e falhou, o que significa que, mesmo se as coisas dão errado, elas podem dar certo de outro jeito, e tudo bem.

O futuro parece muito mais próximo hoje do que já pareceu antes e, como diz a Marina, existe uma chance considerável de que nunca vou fazer nada. É egoísta e egocêntrico pensar nisso, mas me assusta. Me assusta também. Não sou o Colin de Teorema, não tenho nem o sonho distante de ser alguém marcante. Mas queria ser alguém, fazer alguma coisa.

Li em algum lugar que as ondas de rádio só ficam viajando cada vez mais longe, voando pelo universo em eternas vibrações. Um dia, antes de morrer, acho que vou arranjar um microfone e subir até o topo de uma torre de rádio. Vou respirar fundo e fechar os olhos porque vai começar a chover bem quando eu chegar ao topo. Olá, direi para o espaço sideral, esse é meu cartão.

Marina Keegan tinha uma preocupação com a permanência, meio parecida com a do fictício Augustus Waters. Marina, que se preocupava tanto com a possibilidade de talvez nunca fazer nada, tinha feito uma porção de coisas quando morreu jovem demais, aos 22. Ler sua coletânea de escritos me obriga a pensar nesses anseios e inquietações, mas também traz uma estranha sensação de conforto. Marina estava fazendo coisas incríveis, tinha um futuro um pouco mais bem delineado diante de si, e também pensava nisso tudo. Talvez seja egoísta e egocêntrico pensar desse modo, mas nós sempre vamos nos enxergar no outro, não vamos?

O grande e assustador futuro, porque parece muito incerto, domina metade do tempo que eu passo falando. Tenho pensado muito nessa arte:


http://ebriosity.tumblr.com/post/124509475970/71915-journal-the-chaos-the-calm-minds

Nos últimos tempos, minha mente parece muito mais as águas revoltas do mar. Mas estou de férias, morando por uns mesinhos nas praia, e avisto um farol de longe quase todos os dias. É uma lembrança física, presente e impossível de ignorar me lembrando de que às vezes o caos se instaura, mas a luzestá lá para te guiar. Basta levantar os olhos.

Talvez eu não descubra onde vou estar daqui a cinco anos - é bem provável que não. Mas posso reencontrar o farol que sempre tirou minha mente do caos e colocou-o no estado de calma, e acho que é isso que eu quero tirar de 2016, um ano para o qual eu ainda não tinha resoluções. É dois de fevereiro, mas: feliz ano novo.
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