Abril é sempre um mês estranho. É estranho porque tudo já voltou ao normal, porque a chegada dele marca o fim do primeiro trimestre - em que o ano ainda passa aquela impressão de ser novo. Abril é estranho porque nele está contido o dia em que eu nasci, e eu passo a maior parte dos meus dias pré-aniversário numa angústia existencial que só acaba quando o relógio marca zero horas e zero minutos do dia 13.
Depois que eu completei dezoito anos, mas especialmente depois que eu completei vinte e entrei na terceira década de existência, eu comecei a associar o meu desagrado com o meu aniversário com a ideia de que eu não estou fazendo nada de útil com a minha vida, de que eu não estou correspondendo às expectativas que muita gente largou sobre mim conforme eu ia crescendo, que eu não estou fazendo jus ao potencial que um dia enxergaram em mim. É o mesmo tipo de sentimento despertado pela comemoração do ano novo. Porque são duas datas que completam ciclos. Não importa que isso seja relativo - por exemplo, por que eu não me pergunto o que eu estava fazendo no dia 6 de abril de 2014, 365 dias atrás? -, porque outras datas não têm o mesmo peso e significado cultural que o réveillon ou o nosso aniversário possuem. São duas datas propícias para essas reflexões, porque numa delas a música te pergunta "and what have you done?" e porque na outra, olha só, você está um ano mais velho e é nesse momento que você precisa lidar com o fato.
Essas ansiedades me consomem um pouquinho ao longo do mês de abril de um jeito que não acontece no resto do ano. Mas essas ansiedades, por mais verdadeiras que sejam, chegaram há pouco tempo. A minha relação estranha com o meu aniversário, não. Não me lembro qual foi a última vez em que eu comemorei essa data por outro motivo que não fossem os meus pais ou as táticas de convencimento das minhas amigas. Ou só para não deixar passar em branco. Como é estranha essa Fernanda, não? - pois é. E eu juro que, se conseguisse, não seria assim, pelo menos não nesse aspecto.
Sei que não tem nada de muito especial em receber o aniversário assim, desse modo agridoce. Se a norma é, aparentemente, estar radiante por causa dele, tem dezenas de pessoas por aí que sofrem de birthday blues - mas isso, na verdade, também não é algo com que eu me identifico totalmente. Eu não me sinto pra baixo ou triste no meu aniversário ou nos dias que o antecedem. É só uma sensação esquisita. Uma sensação de que eu-não-estou-sentindo-o-que-devia-estar-sentindo. Se é que isso faz sentido.
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Words of wisdom, por Roger Sterling | Crédito: x
Eu não me lembro quando foi que o Roger Sterling, um personagem de Mad Men com quem imagino que ninguém faça muita questão de se identificar, disse essas palavras espertas: "Ano Novo. É como um aniversário extra. É para você assoprar a vela e desejar alguma coisa. Eu nem sei o que é". A verdade é que é isso, ainda que eu esteja admitindo aqui que a citação está sendo considerada completamente fora do contexto, que eu não lembro qual é. Mas a verdade é que eu também não acho que saiba o que essa coisaé, e que a véspera de ano novo é mesmo um segundo aniversário, e são duas datas com as quais eu não sei lidar muito bem porque eu não entendo. O Natal é para comer e estar com a família e até mesmo ouvir as piadas do pavê e as perguntas sobre os namorados, no plural. Mas e nessas outras datas, que são mais sobre você do que sobre comunhão ou sobre as pessoas que você ama?
Dia desses eu me peguei pensando na última cena de Boyhood, quando o Mason encontra uma nova namorada/BFF em potencial, que também gosta de um papo cabeça existencialista, e eles trocam sorrisos meio tímidos e fica implícito que estamos vendo alguma coisa acontecer. A garota é responsável pela fala que parece ter ficado mais famosa em todo filme, sobre como na verdade não somos nós que aproveitamos o momento, mas o momento que nos aproveita. Eu não tenho muita certeza do que foi que o Richard Linklater quis dizer com essa fala, especialmente porque o que segue não fez muito sentido. Mas, na minha interpretação, parece que o filme é exatamente sobre isso. Fico com a impressão de que o motivo por que tanta gente afirmou que nada acontece nele é que nada de extraordinário acontece, até porque o filme não mostra nenhum daqueles milestones da vida. Para mim, ele pareceu falar justamente daqueles momentos que de fato "nos aproveitam", ao invés daqueles que você sabe que deveriam ser importantes e que tenta com tanta força aproveitar.
Talvez esse seja o meu problema com o meu aniversário. Que não é de hoje. Essa obrigação de ~aproveitar o momento~ (yolo!1), de o dia ter que ser especial, de eu precisar assoprar as velhinhas e sentir alguma coisa que eu não sei o que é, é o avesso de um momento importante. É verdade que o dia costuma ser bom, que eu uso a desculpa de que é meu aniversário para ser pouco produtiva e não precisar lavar a louça, que os recadinhos e telefonemas de pessoas queridas me deixam feliz e que é bom ganhar uma sobremesa bem gordurosa de graça e estar com gente legal - amigos ou família, ou os dois. Mas os dias que antecedem... Ah, os dias que antecedem. Tão desnecessários, tão espero-estar-bem-ocupada-para-não-pensar-muito.
Mas, Fernanda, é importante porque é para comemorar o fato de você estar viva! - sim, hipotético leitor, é verdade. E acredite em mim quando eu digo que sou muito grata por estar aqui, com saúde e com tudo o que eu preciso para ir atrás das coisas que eu quero. Ainda mais num ano que começou me lembrando que, não, nenhum de nós está cem por cento seguro aqui, e que nossos momentos por aqui são todos transitórios. Mas essa celebração do fato de se estar vivo sempre vai acontecer de um jeito mais espontâneo e, o que é mais importante, verdadeiro, naqueles momentos que nos dominam por completo, não importa o quão absolutamente comuns eles possam ser. Eu prefiro que o momento me aproveite. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que ele não vai conseguir se for recebido por uma cara amarrada. É por isso que esse ano, depois de abrir o coração nessa plataforma muito pública, ainda que pouco relevante, eu vou fazer aquilo que eu sempre faço: tentar receber o dia 12 de bom grado.
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*Arcade Fire começa a tocar subitamente*
Depois que eu completei dezoito anos, mas especialmente depois que eu completei vinte e entrei na terceira década de existência, eu comecei a associar o meu desagrado com o meu aniversário com a ideia de que eu não estou fazendo nada de útil com a minha vida, de que eu não estou correspondendo às expectativas que muita gente largou sobre mim conforme eu ia crescendo, que eu não estou fazendo jus ao potencial que um dia enxergaram em mim. É o mesmo tipo de sentimento despertado pela comemoração do ano novo. Porque são duas datas que completam ciclos. Não importa que isso seja relativo - por exemplo, por que eu não me pergunto o que eu estava fazendo no dia 6 de abril de 2014, 365 dias atrás? -, porque outras datas não têm o mesmo peso e significado cultural que o réveillon ou o nosso aniversário possuem. São duas datas propícias para essas reflexões, porque numa delas a música te pergunta "and what have you done?" e porque na outra, olha só, você está um ano mais velho e é nesse momento que você precisa lidar com o fato.
Essas ansiedades me consomem um pouquinho ao longo do mês de abril de um jeito que não acontece no resto do ano. Mas essas ansiedades, por mais verdadeiras que sejam, chegaram há pouco tempo. A minha relação estranha com o meu aniversário, não. Não me lembro qual foi a última vez em que eu comemorei essa data por outro motivo que não fossem os meus pais ou as táticas de convencimento das minhas amigas. Ou só para não deixar passar em branco. Como é estranha essa Fernanda, não? - pois é. E eu juro que, se conseguisse, não seria assim, pelo menos não nesse aspecto.
Sei que não tem nada de muito especial em receber o aniversário assim, desse modo agridoce. Se a norma é, aparentemente, estar radiante por causa dele, tem dezenas de pessoas por aí que sofrem de birthday blues - mas isso, na verdade, também não é algo com que eu me identifico totalmente. Eu não me sinto pra baixo ou triste no meu aniversário ou nos dias que o antecedem. É só uma sensação esquisita. Uma sensação de que eu-não-estou-sentindo-o-que-devia-estar-sentindo. Se é que isso faz sentido.




Eu não me lembro quando foi que o Roger Sterling, um personagem de Mad Men com quem imagino que ninguém faça muita questão de se identificar, disse essas palavras espertas: "Ano Novo. É como um aniversário extra. É para você assoprar a vela e desejar alguma coisa. Eu nem sei o que é". A verdade é que é isso, ainda que eu esteja admitindo aqui que a citação está sendo considerada completamente fora do contexto, que eu não lembro qual é. Mas a verdade é que eu também não acho que saiba o que essa coisaé, e que a véspera de ano novo é mesmo um segundo aniversário, e são duas datas com as quais eu não sei lidar muito bem porque eu não entendo. O Natal é para comer e estar com a família e até mesmo ouvir as piadas do pavê e as perguntas sobre os namorados, no plural. Mas e nessas outras datas, que são mais sobre você do que sobre comunhão ou sobre as pessoas que você ama?
Dia desses eu me peguei pensando na última cena de Boyhood, quando o Mason encontra uma nova namorada/BFF em potencial, que também gosta de um papo cabeça existencialista, e eles trocam sorrisos meio tímidos e fica implícito que estamos vendo alguma coisa acontecer. A garota é responsável pela fala que parece ter ficado mais famosa em todo filme, sobre como na verdade não somos nós que aproveitamos o momento, mas o momento que nos aproveita. Eu não tenho muita certeza do que foi que o Richard Linklater quis dizer com essa fala, especialmente porque o que segue não fez muito sentido. Mas, na minha interpretação, parece que o filme é exatamente sobre isso. Fico com a impressão de que o motivo por que tanta gente afirmou que nada acontece nele é que nada de extraordinário acontece, até porque o filme não mostra nenhum daqueles milestones da vida. Para mim, ele pareceu falar justamente daqueles momentos que de fato "nos aproveitam", ao invés daqueles que você sabe que deveriam ser importantes e que tenta com tanta força aproveitar.
Talvez esse seja o meu problema com o meu aniversário. Que não é de hoje. Essa obrigação de ~aproveitar o momento~ (yolo!1), de o dia ter que ser especial, de eu precisar assoprar as velhinhas e sentir alguma coisa que eu não sei o que é, é o avesso de um momento importante. É verdade que o dia costuma ser bom, que eu uso a desculpa de que é meu aniversário para ser pouco produtiva e não precisar lavar a louça, que os recadinhos e telefonemas de pessoas queridas me deixam feliz e que é bom ganhar uma sobremesa bem gordurosa de graça e estar com gente legal - amigos ou família, ou os dois. Mas os dias que antecedem... Ah, os dias que antecedem. Tão desnecessários, tão espero-estar-bem-ocupada-para-não-pensar-muito.
Mas, Fernanda, é importante porque é para comemorar o fato de você estar viva! - sim, hipotético leitor, é verdade. E acredite em mim quando eu digo que sou muito grata por estar aqui, com saúde e com tudo o que eu preciso para ir atrás das coisas que eu quero. Ainda mais num ano que começou me lembrando que, não, nenhum de nós está cem por cento seguro aqui, e que nossos momentos por aqui são todos transitórios. Mas essa celebração do fato de se estar vivo sempre vai acontecer de um jeito mais espontâneo e, o que é mais importante, verdadeiro, naqueles momentos que nos dominam por completo, não importa o quão absolutamente comuns eles possam ser. Eu prefiro que o momento me aproveite. Mas, ao mesmo tempo, eu sei que ele não vai conseguir se for recebido por uma cara amarrada. É por isso que esse ano, depois de abrir o coração nessa plataforma muito pública, ainda que pouco relevante, eu vou fazer aquilo que eu sempre faço: tentar receber o dia 12 de bom grado.
